Acabada a leitura, era dor trafegando de um lado para o outro no meu corpo.
Se uma criança grita que viu uma barata, e o seu protetor tiver asco do inseto, antes mesmo de vê-lo já sai armado para eliminá-lo sem dó. Investe contra ele, e não para o ataque para não deixá-lo cambaleante. O protetor cessa quando vê a barata esmagada, tirando-lhe a oportunidade de sobrevivência diante dos olhos do seu protegido.
A.P.J.,13, pedia ao amigo E.M.A.G,15, parar com o ataque sobre L.S.S.,13, que foi o vitimado. A.P.J. podia ter pulado sobre o colega agressor, 15, desferido-lhe socos, puxado-lhe os cabelos, mordido, arranhado, bater e apanhar para impedir que ele matasse o colega; mas, não! Assistiu a cena.
A lei de talião: olho por olho, dente por dente, consistia em pesar a pena ao crime. Em Jesus encontramos: “dê a outra face”. Uma vez educados, educamos os nossos a darem a outra face quando uma já foi socada. Somos formadores. Damos às partes envolvidas a oportunidade de exercerem as suas funções: agressor e agredido. Se há testemunha, transferimos à ela a responsabilidade por não ter se posicionado entre um ou outro. Quantos lados tem a face do crime após as suas interpretações?
Fatos dessa natureza mostram que estamos para violentos e para violentados. Mas não muito para defensores. No afã de fazermos o bem, muitos apascentamos outros rebanhos, descuidando do próprio pasto. Os pais nesta questão não entendem como os filhos se envolveram tão rapidamente na brutal história.
Por que isso? Por que aquilo? Se o que prevalece no seio das três famílias é a religião e a crença em Deus? ELE nunca nos castiga e essa é a mais pura verdade de todas as histórias.
Impressionante é que as três famílias envolvidas não colocaram essa máxima em dúvida nas entrevistas dadas.
Tentar explicar essa máxima a uma criança vitimada constantemente é que é difícil. E para invertermos o quadro a nosso favor usamos a própria vítima como foco: “Ainda está vivo, agradeça!”
Demônios existem. Somos ‘nós’ contidos no nosso próximo, tornando-o nosso igual, razão pela qual o queremos eliminado. E o eliminamos, eliminando a nossa identidade refletida, aquela por quem não sentimos amor nenhum; mas, asco. É a nossa forma de ver as coisas, importantes ou banais, conforme somos, que faz os nossos demônios melhores ou piores.
Por isso matamos, nós e o outro - nosso igual -, com as armas que temos, cravando-lhe nossas chagas, na tentativa de despregarmos de nossas cruzes, nas quais nos aprisionamos, para não sermos assistidos ou tachados ‘sangue de barata’.
Superar traumas não é tarefa fácil. Por que Deus não estava lá no momento em que a criança morria de forma violenta pelas mãos de outra criança?
Três famílias religiosas e de fé inabalável irão, na superação da dor , entender que Deus assistia e não era apenas espectador; mas vamos assistir ao filme sobre a matéria, bem lá na frente, quando as nossas visões conseguirem alcançá-lo.
Em qual parte do nosso caminho há uma cratera em que temos que esticar as nossas pernas ao máximo para conseguirmos saltá-la e seguir em frente? Iremos vê-la bem lá atrás, quando o nosso coração conseguir entender.
Deus nunca erra. Deus nunca se ausenta.
Rita Lavoyer