QUANDO EU MORRER SEM
CORONAVÍRUS
Quando
eu morrer não avise as pessoas,
eu
não quero sair de cena com despedidas.
Quando
eu morrer não publique no jornal,
eu
não quero que saibam através de
anúncios.
Quando
eu morrer não comente com os amigos,
eu
não quero poesias sobre o que fiz.
Quem
declama geralmente gospe longe
e
as gotas das salivas podem
conter
o Covid-19 e me matar novamente.
Quando
eu morrer me passe muito batom,
deixe
os meus lábios bem vermelhos,
do
jeito que eu gosto,
para
depois tirá-lo.
Eu
não gosto de lábios pálidos.
Passe
batom em mim!
Entendeu?
BATOM! Não água com sabão!
Quando
eu morrer não me ornamente com flores,
também
não quero receber coroas -
vai
que a floricultura esteja birolada
e
me envie Nova Coroavírus -
lutei
muito para ser plebeia,
por
isso lavo as mãos diariamente,
na
pia da cozinha, ariando as panelas
e
no tanque, esfregando roupas.
Quando
eu morrer
eu
quero permanecer no chão ou na cama
desinfetados
com álcool 70º.
Quando
eu morrer cheire o meu corpo inteiro,
sentirá
a fragrância do álcool gel.
Quando
eu morrer não avise os repudiadores,
eles
podem me matar nas redes sociais.
Dirão
que eu saí para bater pernas na quitanda da esquina,
na
farmácia, E O QUE É PIOR:
ME
ACUSARÃO POR TER VISITADO MINHA MÃE E MINHA AVÓ!
Ah!
Quando
eu morrer promete que vai celebrar o sétimo dia,
sem
sair do meu lado?
Fará
uma festa?
Abrirá
um espumante sem misturá-lo
com
cloroquina e azitromicina?
Gostaria
que jogasse pétalas sobre o meu corpo
até
encher o nosso canto,
aquele
que pretendemos aglomerar
com
os nossos corpos após a quarentena.
Será
meu Alpha, serei sua Beta
Nós
dois ali dentro, apertadinhos
Sem
máscaras e luvas descartáveis...
Quando
eu morrer
limpe
o resto da minha maquiagem com as folhas da poesia.
Com
as páginas dos jornais cubra a arma da minha morte.
Não
quero que a potência
da
sua curva progressiva vire notícias.
Não
avise quando vier para me matar.
Amanhã
talvez já seja tarde
para
eu morrer.
Por
isso, hoje, preserve em casa seu calibre.
Eu
o espero, venha naturalmente
com
o seu protocolo de manejo clínico.
Venha,
como agente, me amar e me matar de amor.
E
em outra cena entraremos vivinhos, vivinhos
para
morrermos e matarmos um no outro,
permitindo-nos
provocações.
Dê
outra conotação à morte.
Agora
dá! Façamos nosso contato ideal.
Ficaremos
isoladinhos na sala virtual.
Autoria
– Rita Lavoyer