Ela era chique e tudo o que tinha era de marca famosa. Comprou uma panela de pressão. “A Máquina de Cozinhar”. Não explode como aquelas chinfrins que leva a proprietária a óbito depois de tê-la exposto em algumas páginas de noticiários: “Dona de casa perde a cabeça...”
A dela foi comprada direto na fábrica.
Explodiu! Ela ouviu aquele chiado de maria-fumaça e saiu correndo. Desesperada pra desligar o fogão, nem se deu conta de que a “Máquina de Cozinhar” havia explodido, porém, pra baixo. Despejou todo o caldo do feijão em seu porcelanato que, por coincidência, igualavam-se nas cores. Não viu o caldo e no chão ela ficou.
Explosão de grã-fino é assim, joga a sujeira no chão e dá rasteira. Não se importou. Levantou-se com classe, era madame. A “Máquina de Cozinhar” , como as outras, tem borracha e válvula. Achou que poderia ser a borracha e na fábrica compraria outra. Encheu-se de si. Pegou bucha, palha de aço e sabão e se pôs a esfregar a tampa da Máquina. Queria levá-la assim, compraria a borracha na medida certa. Apesar de ela sempre lavá-la direitinho, deu um trato especial para aquela ocasião. Embora luxuosa, gostava, ela mesma, de fazer a limpeza da casa, achava-se competente pra isso. Já brilhava, e os braços dela doíam pelo esforço em tentar deixá-la brilhando ainda mais. A tampa dela brilhava mais do que a das outras Máquinas, com certeza!
Entrou em seu carro prateado que só o era porque ela não gostava da cor de ouro. Estacionou em uma sombra, bem em frente a fábrica, mas resolveu dar ré e pôr o carro no sol pra que reluzisse ainda mais o brilho de sua tampa, pelo menos enquanto estivesse por ali. Subiu os degraus, parecia uma girafa, tamanho foi o esforço para erguer a cabeça, e com a tampa brilhante na mão.
Um funcionário a recebeu com desdém, levou-a para o fundo da fábrica; e ele com a tampa dela, pra ele, uma tampa qualquer. Aquele fundo era uma bagunça.
_ A senhora não costuma fazer a limpeza completa?
_ Hã!?
_Olha quanta sujeira tem dentro da válvula. Se não fizer limpeza, ela entope e vaza por onde? Explode mesmo!
Amiudou-se diante de tanta sujeira, dela, descoberta por outra pessoa.
Calada, só ouvia as explicações do funcionário sobre a limpeza da “Máquina”.
Queria explodir também, cozia os ingredientes da raiva tampando-a. Sorriso nos lábios, abrilhantava-se. Afinal, cozinhar é arte de controle das artérias. Não pode ter pressão senão explode. Se assim fizesse, os dos arredores só viriam a sujeira dela e ainda a usariam pra lhe passar rasteira, tal qual a sua panela de pressão.
2 comentários:
Essa é a Rita!!!!!
C-a-t-e-g-o-r-i-a!!!!!!
Parabéns!
Wanilda.
..oi, Rita, essa foi excelente e espirituosa.Afinal, qm nunca esteve com uma panela prestes a estourar? quem nunca comprou algo q a propaganda seduziu extremamente? ou q se viu diante de um produto tentador na vitrine e que após comprado foi frustrante? O poema de Carlos Drummond de Andrade retrata este consumismo exacerbado(nossa que pleonasmo)- neste excerto do poema:"Eu, etiqueta" Parte-2
Estou, estou na moda.
É doce estar na moda, ainda que a moda
seja negar minha identidade,
trocá-la por mil, açambarcando
todas as marcas registadas,
todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
eu que antes era e me sabia
tão diverso dos outros, tão mim-mesmo,
ser pensante, sentinte e solidário
com outros seres diversos e conscientes
Da sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio,
Ora vulgar ora bizarro,
em língua nacional ou em qualquer língua
(qualquer, principalmente).
E nisto me comprazo, tiro glória
de minha anulação.
Não sou — vê lá — anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
para anunciar, para vender
em bares festas praias pérgulas piscinas.....
Parabéns, Rita, pela grande criação..orgulho-me de ser sua amiga.Bjs
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