Contando, em dia de pico escolar dos filhos, são oito as vezes que paro no semáforo e assisto ao homem em sua arte espetacular de luta sobrevida, sob a cor do pare e me olhe, por favor!
_ Mãe, dá um dinheiro pra ele – ordena-me um filho.
_ Já dei ontem. Se a cada vez que eu parar aqui lhe der um dinheiro, no final do mês não terei como pagar a sua escola. Que te sirva de exemplo para que continue estudando.
O tom da minha voz assustou o meu filho de cabelos longos. Emudeceu. Olhei-o nervosa.
_ Meu filho, um dia eu corto esses seus cabelos! Cabeludo!
Minha reação foi resultado do cansaço. Acho! Já estava na sexta entrega da matéria a uma escola naquele dia. Vão de carro, são crianças, mas não têm habilidades para a bike. Não posso reclamar. Têm que estudar para não terem que fazer malabarismo a fim de sobreviverem. E a visão vai indo, a cada parada, ouvindo a Metamorfose do Raul, eu o adoro, observando as baquetas. Baquetas? Que dançam no ar sob o colorido do vermelho que nos obriga vê-las esquecendo-nos da percussão da buzinas, do trânsito... Não! Bastões com vida rítmica em seus movimentos.
Não tenho certeza se vi belezura no maluco, que de maluco talvez não tenha nada, porém habilidade para manipular o equilíbrio da dureza daqueles pauzinhos em suas mãos. Agora mesmo, 06h55, primeira viagem de um filho a uma escola, vejo arte dormindo sob uma marquise. O duro é a sua cama de repouso; travesseiro, uma cadeirinha de bebê onde sua cabeça se encaixa perfeitamente. São todas as horas de todos os dias que eu o vejo em sua destreza de arte malabare.
Já está no amarelo. Ele me incomoda. Por que este artista me incomoda? Ele está no meu caminho, no caminho dos meus filhos. Será que também está no caminho de tantos que transitam por esta avenida? Penso que ele esteja no caminho fácil de seguir, porque ele mesmo o escolheu, já que no trânsito parado ele não tem para onde ir.
O sinal abre, o verde obriga-me acelerar a lucidez, porque atrás de mim há carros, cujos motores não param de roncar. Arranco-me. Viro à esquerda e sigo em frente contornando a maluquês do que julgo saber com a lucidez do artista, que certamente sabe muito mais.
Imagem- Jornal Folha da Região- A-6- Cena Urbana de 29/08/2009.
3 comentários:
eita, meu pai me enchia por causa das calças boca-de-sino; vc pega no pé do fiote por ser cabeludo...
oh! raça...
A sua crônica tão rica em palavras e sentidos nos remete ao garoto do sinal, principalmente aquele da cidade grande,que, usufrui daquilo que o motorista tanto carece:liberdade de caminhar, coragem de olhar nos olhos e tempo pra fazer tudo isso, mostrando o que mais valioso o ser humano pode carregar: a inocência e a sinceridade de um sorriso.Nos faz tbm voltar no tempo em que as roupas que nos caracterizavam mostravam um pouco da nossa "loucura" ...e tudo isso era belo...éramos...."maluco-beleza" expressão que substituía:sou louco por ser feliz.Parabéns Rita, excelente a crônica..
sabe amiga, estou igual aquela da minha poesia: chão sem assoalho, praia de cascalhjo, lua sem fase...e com o sa...digo, com a paciência esgotada de bater na trave
Meu sol nem cor tem, o desgraçado.
Postar um comentário