A CARTA - Rita Lavoyer
Observou através do olho mágico tentando ver quem estava do lado de lá, pois o toc-toc da batida na porta o deixou deveras assustado.
Com o olhar fixo naquele olho, retinha a respiração para que nenhum ruído o denunciasse.
Notou que a maçaneta redonda retinia enquanto girava lentamente, no mesmo instante em que sentia que a porta estava sendo forçada.
De repente, tudo permaneceu silencioso como há alguns minutos, logo ouviu o barulhinho de um papel lentamente sendo passado por debaixo da porta. Percebeu um envelope branco. Inteiramente branco entre os seus chinelinhos entreabertos. E passos do lado de fora correram, deixando para trás os pisados de tamancos batendo nos calcanhares.
O homem agachou-se até o chão fazendo sofrer seus joelhos antigos. Tentou alcançar o envelope e, apertando-o entre os dedos, lentamente o ergueu diante de suas vistas. Deu alguns silenciosos passos e levantou o envelope até uma faixa de luz que atravessava um pequeno vão da janela, tentando ver o que trazia além do volume em seu interior. Com as mãos trêmulas, receava abri-lo. Colocou-o num dos bolsos do seu chambre e inquietou-se a andar em círculos dentro da sala.
Apertava o bolso com uma das palmas podendo sentir o volume do objeto que estava dentro do envelope. Conteve seus passos e fixou-se no mesmo lugar em que parou. Iria abri-lo. Olhou-o apertando entre os dedos das mãos. Abriu-o. Dentro também havia uma carta com local, data e assinatura rabiscada.
Desesperado diante daquelas informações, precipitou-se até o porão da casa e subiu ofegante com a sua caixa de ferramentas nos braços. Pôs tudo sobre a cama e, com o auxílio de um pé de cabra, forçou a madeira que compunha o assoalho do armário embutido do seu quarto, arrancando-a. Após extraí-la, por uma escada em espiral, desceu no calabouço.
Contou alguns passos naquele escuro, bateu a mão na parede e certificou-se de que seus números ainda se mantinham vivos na memória.
Com a ponta do cinto do seu chambre, limpou as secreções acumuladas nos cantos de seus olhos miúdos. Apertou-os, após mirar a urna que se mantinha com o invólucro intacto, para que voltassem a brilhar. Ela encontrava-se em uma posição difícil e perigosa. Sabia da cautela que deveria ter com os seus passos, pois um só em falso o denunciaria. Não se percebia nada e nem um barulho naquele calabouço, a não ser o sigilo úmido das águas que corriam pelos encanamentos dos esgotos, e que dividiam aquele espaço com aquela urna intacta.
Forçou um agachar dolorido para apanhá-lo. Gemeu uma dor para colocar-se novamente de pé.
Administrava a sua respiração a fim de pôr rédeas nas palpitações que ecoavam nas paredes da sua alma. Ouviu, então, bater várias vezes na mesma porta que fora forçada. O desespero o dominava, mas sabendo que não havia mais tempo, agarrou-se à proteção do seu silêncio. Levantou-se rapidamente para continuar o seu feito.
− Ah, está trancada! As ferramentas?! A chave? A outra parte está dentro do envelope. Ficaram lá em cima, sobre a minha cama. Tenho que ser rápido antes que o tempo expire. Eu a abrirei, vou contar, contarei tudo...
Na sua ansiosa subida, o bico do seu chinelinho de quarto bateu na quina de um degrau da escada e não houve como evitar a queda.
Com a cabeça sangrando, o velho soltou um grito inaudível para o tempo, que se encarregará de informar ao mundo, pelo seu cheiro, aquele segredo.
RITA LAVOYER
4 comentários:
Rita
Lendo seu conto senti"palpitações ecoando em minh'alma".
Parabéns !!!
Laurinha
Mas já acabou?
Bem, melhor assim, eu estava perdendo o fôlego.
Irreparável suspense, Rita. Ainda estou imaginando o velho de robe.
Quem seria? O que continha o baú?
Excelente conto, moça bonita.
Carinho,
Jorge
Tadim do veio! Fui lá no curso da Cecília e acho que peguei o pulo do gato do conto. Pelo menos vislumbro mais claramente as estruturas do conto em um conto...morô? Te cuida, no próximo concurso estarei bem à vista no seu retrovisor hahahahahah...parabéns pelo prêmio. Meu abraço e admiração.
Muito bom Rita! Beijos!
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