Jogaram-me em uma arena para pagar o que eu devo. No que estendi as mãos, para um breve cumprimento, um golpe me foi dado levando-me à lona. A areia era macia, fora revolvida para amortecer a minha queda.
Não quero que me batam. Estendi uma das mãos apoiando-me em outra, no que esta foi chutada e outra queda degustei; eu vi todo o céu de uma arena tão cercada com madeiras faces mil , todo o apoio que busquei na força dos meus dois braços colocou-me de joelhos.
Não quero que me batam e meu sorriso se fez largo, e o branco dos meus dentes avermelhou-se num instante. As gotas tão pungentes arrancavam os aplausos de mãos tão estridentes.
Não quero que me batam e com a força dos meus braços e joelhos bem firmados me ergui toda defesa para saudar o cobrador .
Não quero que me batam e já toda recomposta os meus braços eu abri; corri para o encontro quando, separando-nos a distância, uma lança atravessou-me e novamente eu cai. Com o apoio de uma mão e também dos dois joelhos me arrastei até a cerca e ali me apoiei, mas ela era tão solta... a cerca não me pôde sustentar; num impulso, não sei de onde, para o centro retornei.
Não quero que me batam e a lança até doía um pouco no meu peito, mas a esquerda me estancava, com a direita acenei. O braço na altura e feliz por agradar, senti profundo golpe na altura do meu punho. Logo o abaixei para esconder o rompimento da articulação.
Não quero que me batam e com o meu ombro tão direito apoiei tão forte clava. No que eu virei o rosto, o frio de um metal atravessou em minha face, fiquei desfigurada.
Não quero que me batam e resolvi me sentar, fiquei bem quietinha no centro da arena, já não via o que se passava quando os meus olhos foram vazados e também não sei dizer quando rompeu minha coluna.
Não quero que me batam e entendi que deveria deitar-me na areia daquela cena. Não sei para onde foi a lança, já não a sinto mais em meu peito, já não sinto nada, só a parte do rosto lateja um pouco. Uma voz, tênue e mansa, eu ouvi se aproximando, ordenando que parasse a cobrança neste dia. Senti na minha testa a ponta de um dedo, palavras me informavam que ele voltará até que finde esta cobrança totalmente indolor.
Não quero que me batam e a todo instante vou vivendo, toda vez, para entregar- me de corpo e alma até pagar o meu credor.
7 comentários:
Excelentes colocações, Rita. Bom seria se as pessoas finalmente assumissem a humanidade que tanto decantamos, e pudessem viver em pé de igualdade. Abraços, Pedro.
Rita,
Este seu "Não quero que me batam" acabou batendo forte. Não pela força bruta, mas antes pela lucidez na abordagem contra ela. Tiro o meu chapéu. Parabéns.
Rita quanto mais leio seus textos, mais a admiro, realmente voce fala como conhecedora da realidade da maioria das mulheres, não só as brasileiras, mas todas de um modo geral parece que a mulher é o muro das lamentações dos homens que não se realizam Parabéns
marianice
Um longo e justo libelo contra a agressão às mulheres.
Muito bem lançado, Rita!
Mas esta não é a única violência hoje cometida. Um menino de dez anos que não sabe ler e escrever é violência bem mais grave.
É ele quem será o espancador de amanhã.
Beijos,
Jorge
Querida Rita,
Muito bom o seu texto. Quando vamos conscientizar de que todos devemos empenhar nessa lutar? Será que só alterar as leis mudará alguma coisa? A Lei Maria da Penha ajudou muito, mas é preciso muito mais. Abraços
Querida Rita,
É preciso quebrar o silêncio que esconde as marcas do corpo e as fendas da alma...é preciso fazer valer a coragem diante das covardias e a justiça contra a impunidade.
Seu texto é mais um alicerce na construção de um mundo que precisa acordar mais belo.
Que o dia 08 de março nos sirva para a reflexão que faz a diferença.
Beijos,
Genny
Rita, seu texto foi genial,as imagens q por ele, você nos transporta, nos fazem testemunhas da barbárie cometida por muitos que se dizem homens: tanto os leigos , como os diplomados ,aqueles que se encaixam perfeitamente no grupo dos vermes e ignorantes.Parabéns, Rita, seus textos são excelentes, sempre!
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