Este texto, de 22/09/2011 , republico-o novamente porque foi um dos 3 selecionados pela UBE para ser publicado no Jornal O Escritor- edição 136 - 08/2014, promovido por essa Instituição. Fico contente porque entre tantos que possivelmente encaminharam os seus trabalhos, o meu ganhou destaque. Tai, gostei! Rita .
Ela levantou-se, abriu a cortina do quarto e a luz do dia ofuscou-lhe os olhos. Da janela de vidro ela não podia enxergar o que se passava do lado de fora. A neve encobria tudo enquanto era inverno. Ela correu até a sala e avistou sobre a mesa de jantar um sino das antigas. Trazia um formato de flor com gotas na sua composição. Ela projetou nele vários tempos, tirando variados sons.
A menina o pegou, apertando o na mão. Com o polegar ela o esfregava de vez em quando. Abriu a janela para sentir o ar fresco que trazia o cheiro de cio que os animais exalavam. Ela os via correndo pelo jardim. Esforçou uma subida na cadeira de balanço para alcançar o assento. Aconchegou ali o seu corpo sedutor. Era primavera e ela via a vida se fazendo lá fora. O vento que adentrava aquela sala balançava-lhe a saia, erguendo-a. Movimentava a cadeira de balanço para auxiliá-la na investida. A flor suou entre os seus dedos. Soou naqueles lábios um sorriso de satisfação que ela selou com o polegar.
O calor derretia o metal que compunha o punho daquela mulher, deixando gravado nela o cheiro fiduciário de azinhavre. O algodão esquentava-lhe o corpo. Postava-se de tempo em tempo entre as janelas abertas que não atraiam o vento que, escasso, findava-se por ocasião do ocaso. O suor ardeu o corpo daquela senhora. O que lhe corria na face, ela enxugava com o polegar, enquanto os outros dedos agarravam-se ao seu sino de flor. Soou o tombar do dia.
É época de ela colher os frutos do seu tempo. Forçou um movimento e, de leve, pode ouvir o vento. Passou-se o tempo, o vento. Não era mais sino havia estações. A flor não passou da sua mão. Estava sem o brilho antigo que a revestia. Tinha ferrugem. As gotas que compunham sua ornamentação caíram. O badalo consumiu-se no seu polegar. Ela pretendia fazê-la soar. Não houve som naquela flor.
A velha olhou o lado de fora e avistou o escuro. Nele reluzia uma neve branca. No meio dela uma margarida vermelha destoava daquela estação. Solitária, ela abriu a sua porta e saiu no tempo.O vento frio ardia-lhe a face. Os seus passos afundavam na neve. Na investida, deixou cair o que lhe restava da flor de bronze. Sem esperar o dia amanhecer e não cedendo nenhuma polegada, jogou-se para alcançar aquela primavera antecipada.
Autoria RITA LAVOYER, membro da Cia dos Blogueiros e UBE
9 comentários:
... e por quantas primaveras ela ainda acariciará a sua flor de bronze em seu imaginário infantil! Magia do tempo! Belíssimo, Rita!
É a vida em estações, até o final quando se antecipa a primavera. Rita que texto! muito bom! Eu achei que a margarida foi a flor da última primavera de sua vida! é texto para reflexão, muito bom.
marianice
Muito bom é pouco para este texto, minha querida Nicinha. Quanto ao quanto tempo ela ainda...acho , se entendi bem, que o tempo dela acabou ou não seria isso amiga Rita?
É tão rico que fico temeroso de comentar. São muitas figuras e situações que surgem, o cenário onde se passa, e a chegada da primavera, acabando com os campos gelados e incolores.
Vou ler outra vez, Rita.
Beijo,
Jorge
Bonito demais isso, heim. A infância, o erotismo juvenil, a maturidade, a proximidade da morte. Uma vida inteira de mulher em tão poucas e sensíveis linhas. Estou com o Jorge - merece releitura. Um beijo e parabéns, Rita.
Parabéns mais uma vez Rita, excelente texto, lendo-o (como outros que já escreveu), procuro entrar na história, por isso sempre passo por aqui,pois tenho sempre a possibilidade de viajar em seus contos, sem levantar da cadeira em que estou. Parabéns mais uma vez!
Abração!
Postei duas vezes o mesmo comentário, por isso, exclui um, desculpe-me!
Belo texto. Deu perfeitamente para imaginar cada cena. Assim que é bom! Dê uma passadinha no meu blog quando puder. Abraços poéticos. http://poeiraviajante.blogspot.com/ Marina Toledo.
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