- Meu Senhor, os motivos de suas constantes coceiras são os parasitas que se alojam nas penas do seu rabo. Deve eliminá-los antes que o levem à doenças graves.
- Você é quem sempre me coça, por que não me avisou sobre os parasitas antes?
- Não os tinha visto... Estou envelhecendo, temo que, sem aviso prévio, substitua-me por outra ave que o coce melhor que eu.
- O que teme é próprio de quem está num posto não vitalício. Aconselho-o a estar presente em todas as organizações dos grupos que controla. Sirva vinho em abundância e faça o bando enxergar a fartura que o rodeia. Defenda-me, pois do meu status depende o seu. Só depois ofereça os canapés. Sente que alguma espécie pode lhe tomar o posto?
- Sim, patrão. Aquele sobre quem lhe falara tem se esforçado para se sobressair...
- Desejamos ser admirados. Observe os seus bajuladores. Alguns carecem estar sob as vistas dos superiores: a esses atribua-lhes tarefas as mais banais; satisfeitos por serem úteis nada lhe cobrarão. Não deixe que observem o que faz, e como faz. Por suas simplicidades podem se complicar ao falarem a seu respeito, dizendo somente a verdade, inclusive. Há os astuciosos que precisam, a todo tempo, aparecer, ditando discursos de ordem. Agem assim por aspirarem ao sucesso a qualquer custo. Traga-os para o seu lado. Se precisar, deixe que se sentem no seu colo e vice-versa.
- Leu Maquiavel, meu patrão. Devo trazer o PAVÃO para o meu lado?
- Desconfio que já fui seu aluno, amigo! Se acha que ele pode trapaceá-lo, como sempre me dissera, aliar-se é a forma correta quando a insegurança reina imperiosa. O PAVÃO me é muito caro. Por seu grande porte e natural agressividade, pode pegar-lhe o posto sim! É ave de status, qualidade que muitos reverenciam. Darei a ele um cargo abaixo do seu. Possibilitar-lhe-ei dois ajudantes e ele também experimentará o prazer de ordenar. Elogie-o para que se sinta potente e coce-o em seguida, acalmando-lhe o ego. Agende, vez ou outra, uma saída e indique-o ao seu posto. Assim, degustará, pelo menos uma vez, a sua posição, apetecendo-lhe ainda mais o desejo de ser o que você é. Em pouco tempo ele defenderá suas ideias e será o levantador da sua bandeira. Preciso me ausentar amanhã. Ficará no meu lugar. Não se esqueça do nosso ideal: Dê vinho a quem tem fome.
Colocando-se discípulo do AVESTRUZ, o PAVÃO controlava os dois novos subordinados contratados: ARAPONGA e GAVIÃO-CABOCLO.
Com equipe organizada promoviam torneios, cultos e festas variadas fazendo desses eventos tradição. Divertiam - socializando -, os habitantes, servindo-lhes vinhos em abundância.
ÁGUIA era endeusado por ordem do seu empregado: o AVESTRUZ, que organizou, na rua, uma festa em culto ao seu patrão, que vinha majestoso num carro alegórico. A mídia cobria todo o evento.
PAVÃO, aproveitando-se da folia, abria seu rabo, exibindo-se. Aves jogavam-lhe confetes e purpurinas. AVESTRUZ destacava-se na sua surrada fantasia de lacaio. Com fome, os pássaros daquele lugar bebiam e dançavam suas simplicidades. ARAPONGA e GAVIÃO-CABOCLO acompanhavam o cortejo a pé. Com exceção dos dois, os festejantes, exaustos de alegrias e caindo de prazer naquelas ruas, coçavam-se mutuamente.
Despreparados e embriagados, nenhum que festejava ali conseguiu bater asas quando bandos de ARAPONGAS e GAVIÕES-CABOCLO adentraram por espaços mapeados, eliminando muitos daquele lugar, tomando as rédeas daquela história. Alguns sobreviventes que tentaram fugir tiveram suas asas e bicos mutilados. Inválidos, possibilitaram a invasão de peçonhas e ratos naquele território.
Os parasitas proliferaram e novas doenças podem ser vistas.
Acabam-se anos e entram-se outros e, naquele lugar, as promoções repetem-se sob novas organizações. Os mutilados, sem apoios, agarraram-se às tradições e arrastam-se para conseguirem um espaço onde possam se coçar. São assistidos direitinho e continuam recebendo o vinho que lhes mate a fome.
Quando são convidados a evidenciarem suas trajetórias, experimentam canapés, levantam suas bandeiras e são agraciados com copos ainda maiores. Embriagados desabafam: “Somos aves simples com saudade de voar...”
4 comentários:
... Um voo com alto custo estratégico... Haja vinho, adereços para tantos seguidores!
Rita, voei em suas metáforas! Parabéns!
Abraço
Outro literalmente FABULOSO texto, com a marca inconfundível de Madame Lavoyer. Abraços, Rita.
Obrigada Célia e Marcelo por visitarem meu blog, deixando suas impressões sobre meus textos. Abração nos dois queridos.
Hehe! Você surpreende sempre, querida Rita!
Está formidável a sua postagem.
Beijos
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