Bendita
doença, Berenice!
Então, Berenice? Analise o quadro dentro do qual você se encontra e, por
tabela, acabou envolvendo os seus queridos. Estão todos tão queridos agora, não
é mesmo, Berenice? Observe que há, de fato, males que vêm para o bem. Ah, como
você foi ótima para resolver as pendengas dessa família, Be-re-ni-ce!
Percebeu
que nos últimos dias a família sentou-se à mesa para o almoço e não reclamou de
nada? Não, não percebeu. Agora não se senta com eles. Ultimamente você tinha sido má! Há salsinha nos
alimentos, mas eles foram muito bons com você. Comeram tudo e não reclamaram,
Be-re-ni-ce! Nem gritaram porque o cotovelo de um esbarrou no do outro...
Interessante...
Vou
lhe contar uma coisa: você está fazendo milagres! Há quanto tempo não há
arranca rabos por causa do controle remoto da televisão? Não há brigas por
causa da demora no banheiro? Não há “bateção” de portas quando não entram em
acordo por algum simples motivo? Não estouraram o cartão de crédito. Não há
mais a necessidade de você implorar para saírem do celular e irem dormir porque
já é madrugada e daqui a pouco têm que acordar para irem à aula... Ninguém mais, na sua casa, perde a hora. Vão a pé à padaria, ao cabeleireiro, à academia, à lanchonete, ao inglês, à dança... Dizem que precisam caminhar! Berenice, você
não existe!
Você
percebeu o quanto a casa está organizada? Os quartos, viu os quartos? Nada fora
do lugar e o cheiro de limpeza está sensacional! Confessa que você não tinha
talento para arrumar aqueles quartos, não é mesmo Be-re-ni-ce!?
O
que é isso, mulher? Até com o cachorro você conseguiu com que deem volta duas
vezes ao dia? Confessa, você fez feitiço, misturou alguma química na
alimentação deles e depois fez lavagem cerebral? Berenice, você pode acabar presa se souberem
que o sistema militar começou a imperar livremente na sua casa. Se cuida, se a
enjaulam, não voltará mais para casa.
Que
coisa feia! Agora tudo o que você fez acham bonito? Negócio chato essa melação
de dizerem que não sabiam que você fazia isso, fazia aquilo... “Nossa, não
sabia que você tinha esse talento”. Berenice do céu. Você está fazendo esse seu
povo tirar leite de pedra. Eles não pensam nada disso a seu respeito não. Estão
falando assim porque estão com dó de você.
Ah,
Berenice, se fosse você dava aqueles berros que você sempre deu porque vivia
perdendo a paciência com tantos problemas que tinha que resolver sozinha. Agora
não. Quem resolve os problemas são eles. Aliás, os problemas acabaram.
Berenice, acho que os problemas era você.
Be-re-ni-ce,
minha linda! Ainda bem que você ficou doente. Bendita doença, Berenice! Quantas
vezes chorou só, ajoelhou só, rezou só para que a harmonia reinasse em seu lar
com sua família. Suas preces foram ouvidas e a paz que reina em seu lar, agora,
é a prova da sua fé.
Está
chateada porque não pode fazer suas tarefas diárias, não é? Mas... não tem mais tarefas! Dividiram-nas
entre eles de tal forma que sobra tempo para todos virem lhe dar um beijo no quarto
e voltarem para os seus celulares. Sim, também tem a funcionária que
contrataram para lhe fazer companhia. Não, não se preocupe porque está tudo na
ponta do lápis, excluíram, cada um, os seus supérfluos e o orçamento ficou no
tamanho exato. Dizem que vai sobrar dinheiro, vão fazer uma reserva, guardar para quando você puder, lhe pagarão uma
viagem. Aquela que há anos protelou para evitar que estivessem juntos no carro porque as discussões eram certas desde a saída até a
chegada. Ah, Berenice, agora você poderá ir, estão tão maduros, não vão mais
desmerecê-la onde quer que esteja.
O tempo passa rapidamente. Berenice,
você tem uma família linda. Como os educou bem! Já estão crescidos, alicerçando sonhos, querendo-os realizados. São calmos, cuidadosos com
você. Formaram-se cidadãos de bem. Seus parentes que não se suportavam, resolveram suas mazelas e vêm juntos a sua casa. Veja se não é uma bênção! Até visitas está recebendo?
Suas unhas estão bem cuidadas, mas precisa passar um batom. Está tão pálida!
Nossa,
quantas mudanças aconteceram nessa casa. Uns trouxeram flores. Alguém trouxe um
prato, acho que uma torta para o café da tarde. Que reviravolta, Berenice. Você
que sempre serviu agora será servida. Tem
cheiro da sua torta predileta. Está sentindo? Vão lhe trazer um pedaço.
Alegre-se, Berenice, lembraram-se de você!
Berenice!
Berenice!
Berenice?
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Autora- Rita Lavoyer
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