- Prosa poética selecionada para compor a 1ª coletânea do gênero, pela Editora Persona.
A FLOR DE BRONZE
Rita de Cássia Zuim
Lavoyer
Ela levantou-se, abriu a cortina do quarto e a luz do dia
ofuscou-lhe os olhos. Da janela de vidro ela não podia enxergar o que se
passava do lado de fora. A neve encobria quase tudo, porquanto era inverno. Ela
correu até a sala e avistou sobre a mesa de jantar um sino das antigas. Trazia
um formato de flor com gotas na sua composição. Ela projetou nele vários tempos, tirando
variados sons.
A menina o pegou,
apertando o na mão. Com o polegar ela o esfregava de vez em quando. Abriu a
janela para sentir o ar fresco que trazia o cheiro de cio que os animais
exalavam. Ela os via correndo pelo jardim. Esforçou uma subida na cadeira de
balanço para alcançar o assento. Aconchegou ali o seu corpo sedutor. Era
primavera e ela via a vida se fazendo lá fora. O vento que adentrava aquela
sala balançava-lhe a saia, erguendo-a. Movimentava a cadeira de balanço para
auxiliá-la na investida. O sino de flor suou entre os seus dedos. Soou naqueles
lábios um sorriso de satisfação que ela selou com o polegar.
O calor derretia o metal
que compunha o punho daquela mulher, deixando gravado nela o cheiro fiduciário
de azinhavre. O algodão esquentava-lhe o corpo. Postava-se de tempo em tempo
entre as janelas abertas que não atraiam o vento que, escasso, findava-se por
ocasião do ocaso. O suor ardeu o corpo daquela senhora. O que lhe corria na
face, ela enxugava com o polegar, enquanto os outros dedos agarravam-se ao seu
sino. Soou o tombar do dia.
É época de ela colher os
frutos do seu tempo. Forçou um movimento e, de leve, pode ouvir o vento.
Passou-se o tempo, o vento. Não era mais sino havia estações. A flor não passou
da sua mão. Estava sem o brilho antigo que a revestia. Tinha ferrugem. As gotas
que compunham sua ornamentação caíram. O badalo consumiu-se no seu polegar. Ela
pretendia fazê-la soar. Não houve som naquela flor.
A velha olhou o lado de
fora e avistou o escuro. Nele reluzia uma neve branca. No meio dela uma
margarida vermelha destoava daquela estação. Solitária, ela abriu a sua porta e
saiu no tempo. O vento frio ardia-lhe a face. Os seus passos afundavam na neve.
Na investida, deixou cair o que lhe restava daquele sino de bronze em formato
de flor. Sem esperar o dia amanhecer e
não cedendo nenhuma polegada, jogou-se para alcançar aquela primavera
antecipada.
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