SOBRE A VIDA E A OBRA DE CLARICE LISPECTOR.
Trabalho selecionado para compor a 10ª edição da Revista SerEsta.
– Estou
certa de que você é a Macabéa.
– Sim.
Posso ajudá-la? Tem hora marcada? Posso fazer seu cadastro? Trouxe documentos?
– Não!
Tenho-os memorizados.
– Nordestino
na cidade grande não ando sem documentos. Aprendi com o Rodrigo S.M., um
escritor que também narrou “A hora da estrela”, conhece? Adorei o Olímpico.
– Sou Joana, parida por Clarice.
Deixou-me órfã para viver com tios algozes, me fez roubar um livro e ser
mandada para um colégio interno, me ensinou, na adolescência, a amar meu
professor e despertou-me o ciúme e a inveja da esposa dele. Acentuou diferenças
entre o mundo e eu. Casou-me com o
paspalho do Otávio que engravidou Lígia, sua ex. Fui traída, caí nos braços de
um desconhecido e parti tentando me resgatar. Sabe o que uma ex-esposa, naquela
época, sofria na sociedade e quais nomes recebia? Vive num romance de
aprendizado para ser comida pelos leões da moralidade. Certamente não viram o
futuro que amarguei além das páginas. Clarice criou uma mulher para ser
liberta, que se multiplicasse, sem prever o estrago psicológico pelos quais
passaria. Hoje, desassistida, receitam-me antidepressivos.
–
Gosta de livros? Eu de cinema, de propagandas,
de queijo com goiabada, de datilografar, de coca-cola. Tomo aspirina para eu
não me doer. Também fui criada por uma tia que me batia e sou virgem. Você é?
Não entre, dona Joana. Cumpro ordens. Dona Joana...
Num
impulso, Joana atropela Macabéa, pisa sua inocência, entra na sala da Clarice e
a vê no divã, brincando com o ovo e com a galinha, tentando estabelecer entre
eles laços de família.
–
Joana?
Sofres ainda com teu fluxo de consciência? Vem, senta aqui, no cantinho do meu
divã.
Nenhum comentário:
Postar um comentário