CONTO CLASSIFICADO NO CONCURSO DE CONTOS DE HUMOR, 2023, PROMOVIDO PELA EDITORA PERSONA.
O PÃO QUE O QUINZIM AMASSOU
Rita de Cássia Zuim
Lavoyer
Joaquim Manoel, o Quinzim, dormia cedo para acordar mais cedo ainda,
tomar o rumo da padaria e produzir, madrugada afora, os pães do mesmo jeito que
o seu pai lhe ensinara. Sonhava vê-lo proprietário daquele estabelecimento,
mas, como consolo, restou-lhe apenas assumir a função do pai depois que ele
faleceu. Esqueceram-no sozinho naquele ofício.
O avental do Quinzim era
tão branco quanto a pureza da sua alma. Exigia de si mesmo higiene profunda. O
ambiente onde trabalhava era rigorosamente desinfetado por ele. Acostumou-se à
solidão da labuta e não deixava que ninguém lavasse as assadeiras. Somente ele
fazia, para certificar-se de que não restaria nenhuma sujeira que o
comprometesse.
Os
seus pãezinhos quentes enchiam, à distância, narizes e bocas famintos por um
pedaço daquelas multiplicações de alegria. Arrumava-os no cesto e o colocava,
cheinho, sobre o balcão onde os fregueses madrugadeiros o esperavam para
empacotar os pedidos. Muitos resolviam suas
vontades ali mesmo, comendo o pão com manteiga derretendo, acompanhado de um
pingado, outros com bastante mortadela.
O crocante das
mordidas arrepiava as salivas dos que aguardavam sua vez,
babando. Não havia pães que se igualavam aos do
Quinzim. Mas... Uma madame passou a não suportá-lo. Enfrentava a
fila do pão reclamando de todos os defeitos que o padeiro nem suponha existir
porque, certa vez, ele a convidou a deixar seu “pet darling” do lado de fora da
padaria, evitando comprometer a limpeza do ambiente. Após esse ocorrido, passou
a ser rotina, diante dos fregueses assíduos, as ofensas daquela senhora ao
padeiro, calando a todos de indignação.
De
tanto ter ralado, pela madame, os ossos do seu sentimento, numa madrugada, o pó
acumulado no porão da sua insônia calcificou-se nas paredes do ódio
de Joaquim Manoel.
Tentando
recuperar os gozos impedidos por aquela madame dias e dias,
preparando a massa sobre a mesa, retirou dela as mãos ainda grudentas, revirou
seu avental branquíssimo e esforçou-se para liberar o seu prazer retido.
Aliviado, misturou-o àquela massa, sovando-a. Pela primeira vez ofegava
enquanto colocava os pães no forno. Assados, jogou no cesto aqueles pães que
saciariam quem deseja tomar, calado, um café com pão e manteiga.
Abriu
a porta e, para sua surpresa, sua desafeta foi a primeira a entrar. Cheio de
si, Quinzim escolheu 15 dos mais branquinhos, os empacotou e os entregou à madame
como cortesia da casa, querendo conquistar-lhe a confiança. Ela o
observou, estranhando aquela atitude. Sem questionar, passou a ser a primeira a
chegar à padaria em companhia do seu cachorrinho, que entrava antes dela.
Assim,
as madrugadas daquele padeiro passaram a ser puro prazer e, a cada manhã,
aumentava por ele a simpatia daquela madame, que lhe trouxera
novas freguesas.
Joaquim delegou a outros a função de lavar as assadeiras, mas de
trabalhar sozinho nas madrugadas e de preparar a primeira fornada do dia ele
não abriu mão: era ele quem misturava os seus ingredientes à massa,
diferenciando ainda mais os seus pães de outros qualquer.
Depois
que aquela freguesia assídua saía, Quinzim passava o turno a outros e ia
embora. No caminho, entrava em uma padaria, comprava pão e ia tomar o seu
café da manhã com a esposa, que o espera faminta, mas se resolvia com os pães
mesmo, porque Quinzim passou a desmaiar na cama após chegar do trabalho.
2 comentários:
Um conto é como pão quentinho com manteiga derretida... Come-se assim, sem sair do lugar! Parabéns Rita, sucesso sempre. Bom dia.
Obrigada, VôDiler.
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