A GASTRONOMIA NA
LITERATURA
Por Rita Lavoyer
Há entre as artes duas que me compõem: a Literatura e a
Gastronomia. Os atos de ler, de escrever, de preparar refeições, depois ler e
compor degustando o que preparei tornaram-se meus distintos hábitos de rotinas.
Tenho outros hábitos bons, porém não tão distintos. Confesso, sem modéstia alguma, que os pratos
que preparo, por mais simples que sejam, são exímias composições gastronômicas.
Como Tecnóloga em Gastronomia ligada à Literatura, enquanto
leio um livro, afundo-me nas páginas com fome de abocanhar o momento em que o
alimento aparece, apreciando o modo como ele é abordado na trama. Em algumas
situações ele surge para mostrar a cultura e os hábitos de um povo, a classe
social dos personagens. O contexto em que está inserido na obra revela o
período político social em que a história se passa e, quando não, o alimento é
o próprio personagem ou a comunicação entre o leitor e ele, ajudando a narrativa
funcionar.
Considero o pensamento de Sophie Bessis, citada em diversas
pesquisas da antropóloga Maria Eunice Maciel, o resumo ideal para o que digo
aqui: “Dize-me o que comes e te direi
qual deus adoras, sob qual latitude vives, de qual cultura nascestes e em qual
grupo social te incluis. A leitura da cozinha é uma fabulosa viagem na
consciência que as sociedades têm delas mesmas, na visão que elas têm de sua
identidade.”
O
alimento enquanto produto cultura é também histórico-literário, com variado
cardápio de significados, portador de ideologias e valores que determinam o
estrato social de como ele é distribuído. Foi servido na Bíblia, pelos poetas
gregos e por muitos escritores que fizeram do alimento capítulos importantes em
suas obras.
Os escritores que apresentam a culinária dos povos, a
cena das refeições e como os personagens se reúnem, de que maneira se comportam
e o que conversam ao redor da mesa, valorizam não somente a cultura deles, mas
a própria, ajudando os leitores a entenderem a formação da identidade daqueles
povos, daqueles tempos da narrativa.
Enquanto para alguns pensadores comer é uma necessidade
para o homem sobreviver, para outros ele vive para comer. Entende-se que cada grupo
de comensal sobrevive de uma forma particular.
Dessa forma, o que se come, como se come, com quem se come, quantas
vezes se alimenta e por que se alimenta são perguntas cujas respostas foram
preparadas por alguns escritores e as encontraremos deleitando-nos com algumas de
suas obras literárias, cada qual com seus
estilos e suas particularidades.
Entre tantos escritores que valorizaram o alimento em
suas obras, resumo aqui lista com Eça de
Queiroz ( O primo Basílio, O crime do padre Amaro); José de Alencar ( O Guarani,
Lucíola); Graciliano Ramos (Vidas Secas); Raquel de Queiroz (O Quinze) Jorge Amado (Gabriela Cravo e Canela, Tieta do
Agreste, Dona Flor e seus dois maridos entre outros); Monteiro Lobato ( com as
delícia da Tia Nastácia em O Sítio do Picapau amarelo); Machado de Assis (A
cocada em Dom Casmurro, Quincas Borba); José
Almeida Junior ( O homem que odiava
Machado de Assis - e a galinha nojenta preparada pela Carolina); Aluísio de Azevedo (O Cortiço); Milton Hatoum (Dois
irmãos); Rubem Alves ( Concerto para corpo e alma); Itamar Vieira Junior (Torto
arado); Gabriel Garcia Marques (Cem anos de solidão); Mônica
Sifuentes (Um Poema para Bárbara - e o
banquete das delicia mineiras); Carla Madeira (Tudo é rio - e suas empadinhas e o empadão); Isabel Allende
(A casa dos espíritos, Retrato em Sépia) entre outros. Há os poetas, os filmes, e num aspecto mais
pragmático destaca-se Luís da Câmara Cascudo com o livro História da
alimentação no Brasil. Só fico nesses, por enquanto, senão o texto ficará muito
extenso.
Para encerrar essa escrita sobre um assunto tão
delicioso, cito Rubem Alves, que em seu livro
“Concerto para corpo e alma” - um deleite literário gastronômico-, sugere
aos psicanalistas com interesse
freudiano pelos sonhos, se interessarem também pelos hábitos alimentares dos
seus pacientes e termina “o que você come revela o que você é”! E não é?
Ler
também é ato de conhecermos pratos que ainda não degustamos. Ele pode ficar na
nossa memória, afinal o sabor também
pode ser encontrado no que se lê. Quando for ler, faça com gosto.
Referências
1- ALVES, Ruben. Concerto para corpo e alma: 17.
ed. Campinas, SP: Papirus, 2012. p.65
2- MACIEL,
M. E. Olhares antropológicos sobre a alimentação. Identidade cultural e
alimentação. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://books.scielo.org/id/v6rkd/pdf/canesqui-9788575413876-03.pdf.
Acesso em: 02 de mai. de 2023
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