POR FAVOR, SALVE MEUS FILHOS!
O caboclo simples foi adentrando a mata montado em seu cavalo, do lado de um ombro o embornal; do outro o seu radinho de pilha. Cavalgando foi entrando a mata fechada que de céu nada se via. De cima pra baixo, mata. Do lado de um, mata; do outro, mata também. De frente pra trás a mesma coisa como na visão de um sinal da cruz. Tudo de natureza se pegava naquele caminho, menos a sintonia de um radinho de pilha.
Apeou do animal pra esticar os ossos que rangeram. Ouviu chiar o objeto como que querendo pegar. Pensou ser mau contato pelo movimento da descida. Levou o dedo no botão para desligar o que este ligou sem ter sido ligado. Puxando o animal pelas rédeas alcançou um igarapé. Encostou-se em um barranco sob a sombra das espécies, enquanto o animal sossegava o seu cansaço.
O rádio dava sinal na chiadeira que queria lhe falar. Sintonizou o aparelho, deixou cair as pálpebras e ali adormeceu. Da estação sintonizada o cavalo pode ouvir o ponteado da viola e uma canção que lhe chamava:
“O homem perdeu a noção do que é pôr os pés no chão e poder sentir a terra...”
Na intuição de animal avistou aquele “seo” dormindo, mordeu-lhe as botinas arrancando-as dos pés. Aquele nem sentia enquanto que o rádio cantava:
“Vive só pensando em ouro, se mata pra achar a prata, mas nada disso lhe cobre a tentação. A tentação é grande...”
O “seo” do cavalo dormia e o animal dobrou as pernas como que querendo se deitar, mas não o fez. Olhou de um lado pro outro e sentiu um cheiro de mato, um cheiro de terra, um cheiro de água, um cheiro de mundo que não se ouvia há muito tempo. Um roncava e outro ouvia:
“Quer mexer no natural, transformar em artificial e represar o rio que corre...”
O animal, num salto só, pulou na água gelada que ali corria. Sacudia-se todo tentando molhar aquele “seo” encostado na natureza. O gelo da água não abaixava a motosserra que saía daquele sono. O cavalo nada, nada, e nada da motosserra abaixar o som, e o rádio:
“Pra lucrar com o egoísmo põe cerca no que Deus fez e chama isso turismo.”
O cavalo ergueu as patas pro ar e relinchou um pedido de socorro. Da água veio à terra e começou uma escavação sem tamanho. Era terra que voava atingindo o espaço, lugar que o homem quer descobrir sem antes conhecer o seu vizinho. A cova já estava no ponto e a natureza cantava no rádio em que o cavalo ouvia:
“Quase não tem mais jardim e qualquer pedaço de chão, ali mesmo vira prédio.”
A motosserra ligada daquele ‘seo cavalo’ o fez mais forte que os coices que o chamavam:
“Geração de depressão, não tem mais verde nos olhos, estão morrendo de tédio.”
Empurrou aquele motor para o buraco, mordeu a alça do radinho e, em seu galope, atravessou aquela mata dando de cara com a rua de pedra preta. O tráfego desumano desnorteou o animal que não encontrava nenhuma beira naquela eira fria que o agitava. Foi quando quis pegar o rumo da volta, mas a ele tentaram prender e no corre-corre, foi que foi, ficou todo engastalhado e engasgado com o rádio que ele engoliu:
“Por favor, salve meus filhos! Por favor, salve meus filhos!”
_ Cavalo que fala? Nossa! – Espantou-se a multidão. A voz interior do animal continuava a canção:
“Por favor, salve meus filhos! Por favor, salve meus filhos!”
_ Está possuído! -Era só o que diziam e, em meio aquele ambiente, a falação rolou geral, um não entendia o outro e, na confusão, o tiro foi fatal.
Tiraram a pilha de um animal tão inocente, mas a natureza dentro dele continuou toda estridente:
“Por favor, salve meus filhos! Por favor, salve meus filhos!”
E que vinha, e que vinha bem lá adiante com as botinas em suas mãos aquele “seo”, o caboclo lá do buraco. Adentrou o povaréu e caiu sobre aquele tão fiel, esfacelado ali no chão.
_ Por que saiu de perto de mim? - era só o que gritava.
Encostou rosto com rosto e pode ouvir assim:
“Por favor, salve meus filhos! Por favor, salve meus filhos!”
Abriu a boca do amigo e de lá pariu o rádio que era pura chiadeira. O animal foi recolhido, o homem seguiu seu rumo com o embornal e seu radinho abafando o gemido daquela parição. O povo, cada um no seu mundinho, no corre-corre do dia a dia de uma vida rotineira, sem ver jardim nos olhos, sem sentir terra nos pés. Cada um no ambiente de sua própria natureza, fazendo só pra si esquecendo de si mesmo nessa vida em extinção, em meio a muitos que, tampouco sabem que a criação fala, canta, grita e geme:
“Por favor, salve meus filhos! Por favor, salve meus filhos, para eles serem inteiros neste meio que os ambienta.”
RITA LAVOYER
2 comentários:
Amiga, se bem entendi, não salvaram nem os filhos nem os pais e nem ninguém. O mecanismo de atendimento oferecido pelo Funrural nao atende às necessidades mínimas dos que dedicam a sua vida à agricultura. Oa latifundiários reconhecem isso e nada fazem porque lhes é interessante. Um empregado na lavoura, quando se aposenta, é jogado na periferia das cidades, morando debaixo de pontes. Como subsistir com dignidade recebendo um salário mínimo. Eu aconselho que ningueém trabale na lavoura. Quem quise arroz e feijão que mande a mãe plantar ou vá comprá-lo na...na...na....um dia eu falo
Muito oportuna esta campanaha com o tema, devido aos últimos acontecimentos catastróficos de natureza, temos muito que fazer para salvá-la.
Um super abraço!
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