Estou vendendo uma criança, desde ontem e para sempre, seja para os supérfluos, seja para os delinquentes. Apareça quem quiser, que eu desembolso consciente. É tão fácil deixá-la contente.
Estou vendendo uma criança que ainda nem nasceu. Apareça, aqui, aquele que eu paguei para me dar muito prazer.
Estou vendendo uma criança para o tráfico ali da esquina. Apareça quem a elimine, eu pago qualquer preço para não ver tão triste sina.
Estou vendendo uma criança para o sexo tão explícito. Apareça, quem de gosto, que eu pago para abafar o tal delito.
Estou vendendo uma criança para as violências domésticas. Apareça, eu pago para que este boletim não se some às estatísticas.
Estou vendendo uma criança para qualquer violência esportiva. Apareça, eu pago em qualquer moeda para que o meu time seja o campeão.
Estou vendendo uma criança para a tal desigualdade. Apareça que eu pago, eu sou “tão” sociedade; preciso estar. Já que sou, posso!
Estou vendendo uma criança para uma doença qualquer de fome. Apareça quem quiser, que eu pago com o meu dinheiro o que se compra, mas não se pode consumir.
Estou vendendo uma criança para ser um homem bomba. Apareça, que eu pago qualquer valor para poder dormir em paz.
Estou vendendo uma criança para a boca do lixão. Apareça, eu pago o que você quiser, porque eu quero ver a frente da minha casa sempre limpa!
Estou vendendo uma criança para qualquer sinal vermelho. Apareça, eu pago para ganhar um verde que não reflita no meu retrovisor.
Estou vendendo uma criança para qualquer tipo de Fundação. Apareça, pago o que você pedir para proteger as grades da minha casa.
Estou vendendo uma criança para se tornar um marginal. Apareça, que eu pago para calar a sua boca se disser que o professor é a autoridade na escola.
Estou vendendo uma criança para que ela não aprenda nenhuma arte. Apareça, põe logo o valor na obra prima que eu preciso lavar o dinheiro.
Estou vendendo uma criança que quer ser aparecida. Apareça, ‘cê’ trabalha tanto, arrisca a própria vida, ganha tão mal, vou dividir com você o dinheiro do resgate.
Estou vendendo uma criança que precisa de justiça. Apareça, eu pago o seu preço para arquivar o processo que corre contra mim.
Estou vendendo uma criança para viver em qualquer rua. Apareça, eu pago o necessário para derrubar os tais barracos.
Estou vendendo uma criança para um projeto eleitoreiro. Apareça, financio a campanha de quem tiver bom marqueteiro.
Estou vendendo uma criança para qualquer violação. Apareça, eu vou me confessar, faremos comunhão. Quanto cobrará para a minha salvação?
Estou vendendo uma criança para a minha insegurança. Apareça, eu pago o preço, mas leve esse medo que há muito me domina.
Estou vendendo uma criança para uma escola sem educação. Apareça! Leve a minha carteira abarrotada. Leve também a lousa velha, os livros rasgados, a merenda contaminada. Os professores maltratados, espancados, 'apanhantes' e apanhadores de sonhos... Pra que dinheiro pra essas coisas?
Estou vendendo uma criança para que cresça e apareça, depois crucificá-la. Apareça, eu pago qualquer preço para jogar minha moeda nessa cruz.
Estou vendendo UM PRESENTE! Hoje é dia das crianças, Aparecida, compre-O e faça dele passado. Porque o futuro ... o futuro... quanto é mesmo que vale se ele - O PRESENTE - aparecer?
ESTOU VENDENDO UMA CRIANÇA PARA O MERCADO DE CONSUMO. EU PAGO!
É SÓ ELA ME PEDIR. EU PAGO!
10 comentários:
Uai. Você está vendendo e ainda paga? Não lhe parece que precisas receber pelo que vende?
Se estivéssemos vendendo nossas crianças hoje para que as do amanha tivessem um tratamento mais dígno, ainda nao seria de todo mal. Vendemos onte, vendemos hoje e venderemos amanhã. O futuro nunca vai aparecer .
... e pensar que também fomos crianças... marginalizadas algumas, fortes umas tantas outras, que conseguiram fugir da autovenda... Vendidas e mal pagas... Incompreendidas e mal amadas... Hoje, lotam terapias para aceitação do inaceitável... A "Aparecida"... usurpada de sua dignidade divina... entra no rol de compra e venda... do custo e benefício para a fé dos incautos de um mundo melhor... glorificando uns poucos... Lançado está, minha amiga Rita, um consórcio de crianças... com baixos juros!
Amém! Célia, a indignada pelo que passa a nossa infância século XXI...
Querida amiga, você acaba de desnudar uma verdade maldita. Verdade que não temos como combater senão usando nossa poderosa arma: escrever.
Dos livros nasceram as grandes transformações, como as revoluções francesa e russa, esta também findada por Soljenitzen e digerida por Gorbachov.
Enganam-se os que pensam ser o livro apenas um protesto. Eles são capazes de virar o mundo.
Bela tacada, Rita!
Beijos,
Jorge
"E do barro fe-ze o homem," e da inconsequencia a criança que caminha sem por que, sabe-se que muita coisa por ela se vende, e depois se compra, é a feira da abobrinha,do tomate, da cebolinha,da laranja,uma feira de contrabandos, de trafico de criança de influencia,de abandono,de alienação e a propria mae vende a criança para ira a Disney.Quem dá mais? se faz um leilão. Orgaos dos pequeninos também se vendem como tesouros, pedras preciosas, é o mundo do crime! "E do Barro foi feito o Homem"
Marianice
Fantástica e oportuna junção das duas comemorações do dia 12 a serviço de um justo e contundente manifesto. Bravo, Rita. Maravilha de post. Um beijo pra você.
Como somos medíocres!
Nos preocupamos com coisas fúteis, enquanto tudo se acaba a nossa volta, o retrato, ou melhor o quadro pintado no texto é a mais pura expressão da verdade, uma sociedade consumista, cega e hipócrita, que prega o não bulling, a não fome, a educação para todos,á proteção a criança e ao adolescente, mas apenas para os nossos filhos, os demais... bem, não são nossos, vamos discursar, quem sabe um dia.
Parabéns Rita, tomara que esse texto bem escrito, cru, desperte alguns corações para esses invisíveis que nossos olhos teimam em não ver!
Se me permite, Perfeição da Legião Urbana traz esses pensamentos de forma magistral:
"...Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta
De bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror
De tudo isto
Com festa, velório e caixão
Tá tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou
Essa canção...
Venha!
Meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão
Venha!
O amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça
Venha!
Que o que vem é Perfeição!...
Olá, Rita. Últimamente você anda muito pessimista. Gosto de vê-la na sua outra face. Abraços
Meus caros amigos leitores e colaboradores, de todos vocês que participam nesta postagem, somente no blog do Jorge Sader e Marcelo Sguassábia eu consigo postar comentários. Nos demais, quando eu aperto o 'enter' o comentário desaparece.
Célia, nem e-mail consegui mandar para você.
Peço que me desculpem, porque eu também gosto de participar nos blogs.
Amigo Shigueyuki não tiro a sua razão. Do pessimismo nasceram muitos gritos, de varias conotações. O meu é de realidade mesmo. Você é importante para mim.
Todos vocês são importantes para mim.
Grande abraço, meus queridos.
Pois é Rita:
É a ladainha da injustiça. Devo resaltar que o desastre social e todas as desigualdades estão presentes em todas as grandes cidades do mundo capitalista. Nos pequenos centros com menos de 200 mil habitantes esse flagelo é imperceptível. No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente, quando estimula o MP, é possivel contar com um certo alívio.
Quando eu era jovem, esse texto, considerariamos como protesto.
Valeu menina...
A santa e a criança e os adultos e os velhos e todo mundo num circo de horrores chamado sociedade de consumo, onde tudo o que importa está num altar reverenciando o dinheiro acima de tudo e de todos. Esse libelo é uma maravilha de grito, Rita! Como disse o Ventura que me antecedeu aqui, no meu tempo (não de jovem, mas de militante) isso seria um grande manifesto. Meu abraço. Paz e bem.
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