À beira do rio pôde ver um cesto de vime e dentro dele um filhote recém-nascido. Apressou-se para apanhá-lo. Ela, que não gostava de água, não se questionou para entrar nela. Agarrou-o, trazendo em seus braços a salvo. Era um leãozinho, ainda cheirando à placenta.
Ela o limpou e fez dele o seu filhote. Amamentou-o, acreditando rapidamente ser o seu filho. O filhote cresceu observando diferenças.
_ Mãe, por que eu, que sou um Leão, sou o seu filho, sendo você uma Macaca?
_ Meu filho, mãe é mãe, não tem espécie e filho é filho, independente do gênero. Venha aqui e coma a sua banana!
_ Mas, mãe, eu não gosto dessa fruta. Mãe, eu sinto vontade de comer algo diferente, eu sinto um cheiro diferente em certas coisas e esse cheiro me enche de prazer, além de uma vontade enorme de abocanhar o que eu vejo e sinto, diferente da banana . Mãe, também não gosto de vê-la comendo os meus piolhos, apesar de ser muito gostoso o seu carinho. Também não gosto de catar os seus piolhos, além do mais, mãe, as minhas patas são enormes para a sua cabeça, tenho medo de machucá-la. Poderíamos deixar de lado esse ritual de catar piolhos?
_ É claro que não podemos, meu filho. Isso é feito desde que os meus ancestrais foram criados, além do mais, deve se habituar a se alimentar de bananas porque o seu paladar é muito perigoso para a população daqui.
_ Ah, meu garoto, você ainda é muito jovem para entender sobre isso. Venha, seja bonzinho e coma a sua banana.
Num salto violento ele atacou o cacho todo, rugindo sobre as bananas que caíram no chão.
_ Mãe, conforme eu caminho, sinto muitas dores nas minhas patas. Mãe, um Quati me atacou e quando eu fui me defender senti mais dores ainda. As minhas unhas estão me fazendo falta, mãe.
_ Não se preocupe, o Quati é um bicho muito pequeno, você é um Leão. Da próxima vez que ele o incomodar é só rugir que ele sentirá medo e fugirá de você.
Na tarde do mesmo dia, o Quati investiu contra o leão novamente e, sem as unhas, o felino cravou um de seus dentes no animal ,que conseguiu escapar ensanguentado.
_ Filho, a mãe do Quati veio reclamar do seu comportamento violento com o filho dela. Não o ensinei a ser violento. Já me feriu várias vezes com as suas presas quando vem pegar as bananas. Venha cá, abra a sua boca e engula isso.
_ Receita dos meus ancestrais.
Ainda sonolento, pode sentir que algo lhe faltava.
_ Meu filho! Você não é o meu filho por acaso. Você me foi entregue para que eu cuidasse de você. Não é porque vivemos em uma selva que precisamos viver como selvagens. Os seus dentes eu os arranquei, para aprender que não devemos fazer com os outros o que não queremos que façam a nós. Acalme a tua dor, para ela haverá recompensa.
_ Mas, mãe, eu nunca ataquei nenhum animal, já apanhava dos pequenos sem poder me defender, evitando com isso que a senhora fosse repreendida pelos pais dos bichos. Mãe, eu não consigo fazer nada sozinho, agora sem unhas e sem dentes sinto muito medo, como os outros animais me verão?
_ O verão como você é de verdade. Faça cara de mau, ruja bem alto. Isso causa medo, desestrutura o adversário. Além do mais, não precisamos sorrir para sermos respeitados. Não precisarão saber que não tem dentes. Em boca fechada não entra o que não quer engolir. Vamos, agora já é um Leão feito, carregue-me por onde for. Estando comigo estará protegido. Avante! Mostre que é o Rei desta selva. Mas antes, coma a sua banana.
_Autoria- Rita Lavoyer -
14 comentários:
Banana prata ou d'água? Eita, Rita, vai inventar assim lá longe, leão de unha aparada e sem dentes!
Enfim, como asseguram que os macacos são mais sacanas do que os homens, espero que a mamãe não tenha avançado em outras partes...
Abraço,
Jorge
Lavoyer, a versão moderna de La Fontaine. Fabuloso, Rita. Sempre e cada vez mais. Um beijo pra você.
E a lição interna deste texto"Não à violencia". Para os seres que acham que tudo se resolve com "porrada".
Parabéns Rita.
beijos Marianice
É este o mal de certos pais: quererem que os seus filhos sejam as suas imagens e semelhanças. A super proteção e a ingerência demasiada na personalidade dos filhos, acabam por descaracterizá--los, destruindo-os.
Dra. Rita! Mestra em lições subliminares! Lendo sua fábula, fui me pontuando enquanto "mãe e educadora, enquanto mulher"... o quanto castramos nossos seres queridos, o quanto manipulamos, centralizamos e queremos traçar seus perfis segundo nosso autoritarismo! Só na maturidade é que adquirimos a sabedoria de visualizar individualidades e respeitá-las! Obrigada pela autoconscientização. Beijo da Célia.
A Celia chegou perto, mas, gostaria que você me dissesse onde você quer chegar. Fiquei com pena do Leão e da macaca. Duas penas diferentes. Se você disser onde quer chegar eu digo quais foram as penas.
Olá, meus queridos visitantes e comentaristas:
Jorge, a banana é de macaco mesmo, essa que a gente compra em todas as quitandas e supermercados da vida e comemos para evitar a cãibra.
Marcelo, mais que comparação. Um dia , quem sabe, eu chegue aos pés de La Fontaine.
Marianice, nada de porradas, portanto, corte o instinto pela raiz.
Celia, Célia! O seu comentário mais é um ensinamento do que qualquer texto estudado profundamente.
Hélcio, meu querido, obrigada por visitar-me . Eu quero, sempre, que os meus textos não se esgotem em si. Além do mais, pretendo, juro que pretendo, deixar de ser uma macaca.
Amo vocês todos.
Obrigada pela participação. É por vocês que eu escrevo. Estou tentando melhorar porque vocês merecem.
Caro José Hamilton, muito convincente a sua visão de pai. No limite. Tudo no limite. Obrigada pela participação aqui.
Querida Rita,
Os bons textos são assim, questionam seus leitores e os impulsionam ao pensamento inquiridor; as vezes provocam dúvidas e nos fazem pesar ou medir nossas atitudes e condicionamentos "humanos"...as fábulas são boas para as analogias dos comportamentos e das relações entre as pessoas; você conseguiu revolver reflaxões sobre os limites das relações entre pais e filhos e sobre o devido respeito que devemos ter para com a "natureza" e "essência" dos nossos filhos amados.
Beijos,
Genny
Olá Genny, as dúvidas que o texto sugere são assustadoras após o autor do texto ler as visões dos leitores.
Se nada fica em vão, fiquei assustada com as penas.
Grande abraço Genny
Maria Luzia Vilela enviou-me o comentário por e-mail.
"UMA MACACA CRIOU TARZAN, UMA LOBA CRIOU ROMULO E REMO, UMA LOBA CRIOU MOWGLI, O MENINO LOBO. BEM, UMA MACACA PODE CRIAR UM LEÃO...ESTÁ DENTRO DESSAS POSSIBILIDADES. O ENSINO DA NÃO AGRESSIVIDADE É POSITIVO, MAS DEIXAR SEM MEIOS DE SE DEFENDER... SEI NÃO!!! ÀS VEZES PENSO QUE EDUCAMOS TANTO QUE "DESARMAMOS" COMPLETAMENTE NOSSOS FILHOS. COMO EU JÁ DISSE A UMA AMIGA: QUEREMOS MUITO O QUE NÃO DESEJAMOS. NÓS HUMANOS TEMOS A ALTERNATIVA DA LEI. MAS O POBRE DO LEÃO... E SE O MENINO MORDER OUTRO A MÃE DEVE ARRANCAR-LHE OS DENTES? DIGRESSÃO À PARTE O CONTO É INTERESSANTE E LEVA A MEDITAÇÕES... BEIJOS MINHA ARTISTA TÃO FECUNDA. LU "
" Queremos muito o que não desejamos" é pra lá de teses e teses.
E assim eu vou aprendendo com os ensinamentos dos grandes leitores.
Muito obrigada Maria Luzia.
Rita
Olá Rita, gostei sim, muita imaginação mas gostaria de ver a continuação , o próximo capítulo. Como o coitadinho ira se proteger sem a ajuda da mamãe macaca, quando não mais estiverem juntos?
Pois é, Carolina Madeira. Fica essa pergunta para muitos pais repensarem suas atitudes perante os filhos. E que pergunta!
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