* Rita Lavoyer
Pai, hoje, observando-o, vejo seu
semblante cansado e nos seus cabelos
brancos sei que há muito de mim.
Pai, por que não me olhou?
Quero abrir um parêntese no período em
que eu me afastei da minha própria vida, azedando-me o fruto.
Olhe-me, pai, a partir do momento em que
eu era apenas uma criança e que o senhor nos surrava, a mim e aos meus irmãos,
porque fazíamos xixi na cama. Sabia que o senhor achava que nos corrigiria.
Hoje, aprendi a me limpar sozinho e entendi: “que não devemos desprezar nenhum
desses pequeninos...”
Olhe-me, pai, a partir do momento em que
eu já comia sozinho e o senhor nos reunia nos momentos das refeições, nos
ensinava a rezar olhando os alimentos que o senhor insistia em dizer ter
trazido para nos alimentar. E batia novamente quando eu dizia que não gostava
daquilo que estava servido. Hoje, aprendi a orar e entendi: “que nem só de pão
vive o homem”
Olhe-me, pai, a partir do momento em que
saíamos em família com roupas novas, o senhor sempre foi zeloso com a nossa
aparência, mas não podíamos brincar, porque tínhamos que voltar para casa
limpos. Sabia que o senhor queria conservar o tecido. Hoje, aprendi a agradecer
e entendi: “Tendo, porém, sustento e com que nos cobrirmos, estejamos com isso
contentes.”
Olhe-me, pai, a partir do momento em que
o medo que eu sentia do senhor me dominava, e eu corria para os braços da minha
mãe para não apanhar mais e mais quando eu, brincando com os meus irmão, bagunçava a casa que o senhor exigia que mamãe sempre
mantivesse
Olhe-me, pai, a partir do momento em que
virei moço e que o senhor nem se dava conta dos horários que eu chegava
Olhe-me, pai, a partir do momento em que
eu me divertia com colegas, que o senhor sequer sabia quem eram e nem a quais
famílias pertenciam. Eu sei, pai, que o senhor se preocupava demais somente com
o que se passava dentro da sua casa. Hoje, aprendi a me resguardar e entendi o
que significa: “Guardai-vos dos cães.”
Entenda, pai, que o parêntese aberto em
um período que deveria ter sido a minha vida, mas que eu deixei de viver por
conta de tantos vícios, não foram fáceis. Não me viciei porque quis.
Pai, sou fruto da sua árvore. Aves de
rapina consumiam-me debaixo da sua sombra e o senhor não percebia que uma fruta
sua apodrecia pendurada em seus galhos? Hoje, eu o vejo e me entendo: “Por seus frutos os conhecereis”
Pai, por que não me olhou?
Na rua me formei delinquente quando já não
achava razões para voltar para o hospício silencioso que o senhor chamava de
casa.
Mas, hoje, pai, estamos unidos
novamente. Eu, nesse monólogo íntimo, o observo sentindo uma vontade imensa de
abraçá-lo e de pedir-lhe perdão por tê-lo feito sofrer dentro do parêntese que
eu abri num momento da minha vida. Pai, os meus irmãos são bons frutos. Creio
que também sou.
Pai, tanto quanto o senhor, eu possuo dois
ombros; escolha um e me ofereça um outro seu. Ambos, pai, precisamos chorar.
Porque eu entendi alguma coisa do que o meu
Pai me ensinava: “Levantar-me-ei e irei ter com meu pai...”
- Pai, eu te amo! Posso abraçá-lo e,
mais um pouquinho, sentir a sua sombra?
As árvores da vida são sempre boas, embora,
enquanto jardineiros, as maltratamos. Até
que nenhuma ciência me prove o contrário, os frutos delas também são.
Rita Lavoyer
www.ritalavoyer.blogspot.com
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