Folha da Região, 13/01/2011/Fl. A8. “Feto de 15 cm é encontrado em meio a lixo”
TEXTO Nº 1
JOGUE O FETO NO LIXO
Um feto foi encontrado, antes disso, foi jogado. Por favor, jogue o feto no
lixo.
Alguém abriu as pernas, outro ali entrou. Não importa o que rolou,
engravidou, porra! Jogue o feto no lixo.
A polícia foi chamada no aterro sanitário. Oh! Criminalística entrou no caso,
até IML. Dona delegada, não fique tão pasmada, o assunto emocionou a molecada
que ali vive plantada, pois o lixo não a repele. Já são comunitárias, pobres
crianças, não anteciparam a sua passagem ali. Nasceram com o bilhete atraso.
Então, jogue o feto no lixo.
Não importa o centímetro, o tamanho ou comprimento porque é tudo a mesma coisa
que ser gerado em ventre sujo ou ser jogado no lixão. Se foi aborto provocado,
com ou sem consentimento, quem assume esse compromisso? Vá! Jogue logo o feto
no lixo.
Qual a chance de encontrar a autora desse crime, se todo o lixo da cidade é
jogado no aterro? Não será o último, como também não é o primeiro. Qual o
inconveniente em alguém ficar contente por jogar o feto no lixo?
Esse feto me é tão consanguíneo, eu o gero a todo instante, todos os dias o meu
lixo vai pra lá. Eu, você, joguemos nosso feto no lixo, urubu precisa viver.
Ciranda, cirandinha é pica, é pique e pique ou jogue inteiro mesmo, o amor que
ali se tinha era pouco e se acabou. Palma, palma, palma e dê no pé! Alguém
jogou o feto no lixo.
Feto não é lixo, mas feto lixo é, porque ele foi feito no latão de uma mulher.
Sejamos todos humanitários, salvemos o aterro sanitário, ele precisa de vida.
Jogue o feto pra ele.
TEXTO Nº 2
UM CORPO PARA A MINHA ALMA
Ela anda tão vagante, fria e pálida. A minha alma anda assim, perdendo o
colorido dos olhos. Sem ele, os meus olhos veem uma alma opaca, vazia.
A minha alma procura um corpo de um ser feito de gente e não de páginas de
agenda lotadas, sem ter com ela nenhum compromisso.
Greissi Diéquisson da Silva e Silva
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TEXTO Nº 3
ACHARAM A DONA DO FETO JOGADO NO LIXO
- Nasceu?
_ Nossa, que coisa estranha, não achou?
_ Também, veja de onde veio...
(...)
_Seu nome, criatura!
_ Greissi, com dois ‘ss’, Diéquisson, com dois ‘ss’ também, da Silva e Silva.
Tenho pai e mãe.
_ Ainda tem coragem de dizer isso?
_ Próxima!
_ Com licença, eu sou a próxima. O meu nome é Greissi Diéquisson da Silva e
Silva. Vim por causa do anúncio.
_ Sinto muito, mas a vaga já foi preenchida.
_ Mas o senhor me chamou, nem conversamos... Tenho estudo!
_ Acabou de ser preenchida, sinto muito.
Quando ela nasceu não lhe deram crédito. Cresceu sem conhecer o respeito merecido.
Era exceção, os pais eram exceção na comunhão dos bens. Eram ambos Silva e
Silva. Mas para ela não foi suficiente a carga dos sobrenomes paternos. Ela era
a massa, tinha que fazer parte dela. Não queria entrar nas regras, mas as
situações a obrigaram. Desejos despertaram na menina feia que chocava a visão
dos que tinham coragem para vê-la.
_ Comer aquilo? Nem de olho fechado.
A difamação da alma ingênua de Greissi, com dois ‘ss’, arrancava gargalhadas.
Greissi Diéquisson da Silva e Silva tinha uma alma que tentava se encaixar num
corpo cuja face feia não se enquadrava aos padrões. A vida rejeitava-lhe a alma,
sem saber dela a consistência.
_ É pegar ou largar. Pra você... dê-se por satisfeita!
Greissi Diéquisson da Silva e Silva recusara aquilo por diversas vezes, para
honrar os pais, exceções no meio de tantas regras. Eram os Silva e Silva!
Greissi Diéquisson tinha pai e tinha mãe e tinha registro de nascimento e tinha
Registro Geral e tinha Cadastro de Pessoa Física e tinha um corpo e tinha uma alma
e tinha dois sobrenomes únicos, compostos de simplicidade.
.
Não houve como, e a princesa na cadeia apanhou também, mas durou pouco a sua
passagem por lá. 171, porque já tem 18. Que pena, Greissi!
Foi surrada, comida, cuspida, largada...
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TEXTO Nº 4
-
Eu o vejo, meu feto. Eu o jogo para não trazer ao mundo mais uma Greissi
Diéquisson da Silva e Silva. O mundo não sabe, meu feto, mas se faço isso, é
porque, antes de amá-lo, eu o respeito primeiro. Queria, meu feto, ter estado
no teu lugar para não ser obrigada a fazer o que faço hoje. Não tenho medo da
condenação. Já fui condenada quando nasci. Aos que leram, ouviram ou ficaram
sabendo do feto que foi jogado no lixo, e me julgaram, como esta narradora, eu
peço perdão.
Graissi Diéquisson da Silva e Silva
TEXTO Nº 5
Graissi, o seu nome fictício é tão
real quanto a sua história.
História de tantos outros Silvas e Silvas que nasceram excluídos e que foram
condenados por palavras escritas, faladas, pensadas antes mesmos de saberem de
vocês as causas.
Eu fui a narradora do fato. Perdoe-me os Silvas e Silvas.
O Texto 2 eu escrevi exatamente para as
"Greissis", humanos, que de tanto gritarem em silêncio, deslocaram
suas almas dos seus corpos.
Rita de Cássia Zuim Lavoyer
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