Crônica classificada para a Antologia literária - Série Verso e Prosa - Vol. 4 "Vozes da Solidão" , pela E-33 Editora.
A MÃE
Hoje ela é
sogra. Quando se casou levou consigo o seu diploma, pois fora ele a razão do
seu matrimônio tardio. Numa época em que à mulher eram dadas poucas
oportunidades profissionais, ela não se abateu. Foi à luta e conquistou o seu
espaço. Era moderna para o seu tempo.
O filho
demorou a vir. O marido, já envelhecido, não o viu formado, não houve tempo
para esse sonho do casal; ela, sozinha, fez as vezes de pai e de mãe. Eram os
dois, filho e mãe em um só, ambos se completavam na ausência daquele que se foi
deixando-os na saudade.
E ele veio. O
amor veio ao encontro do filho que ela tanto ama. Ela ficava feliz por vê-lo
amadurecido, destacando sua vaidade sempre que tinha um encontro marcado com a
namorada.
Ela,
a namorada, foi conhecê-la. O olhar da mãe procurou o daquela moça, mas não o
encontrou na ternura que pretendia. Os olhos frios da futura nora correram de
cima a baixo o corpo daquela mãe sempre presente. Cabia-lhe opinar a respeito
da moça para o filho tão apaixonado? Como soariam suas palavras aos ouvidos
daquele enamorado com o coração tão cheio de amor?
O
filho marcou o casamento, formaria família agora. Ela ficaria. A mãe ficaria em
sua casa, pois ao filho cabe bater as asas.
Ele se
foi, deixando numa sala uma mulher completamente sem fala. Era costume dela deixar
a porta destrancada para o filho entrar sem precisar bater.
Demorou visitá-la. Quando o fez, encontrou-a
mais envelhecida num silêncio que destoava do ranger de sua cadeira de balanço,
que lhe possibilitava dormir com a cabeça pendida sobre um dos ombros. O
vestido dela apresentava manchas que ele identificou como sendo de leite com
chocolate. A boca dela estava suja. Percebeu que há dias ela não se
higienizava.
- Mãe? Acorda mãe. Sou eu.
Ele a beijou
na testa e o calor do contato fez com que ela acordasse daquele sono de
saudade. Veio sozinho, a esposa não o acompanhou à visita, mas mandou
lembranças.
A visita foi
rápida, a tempo de dar um banho na mãe e deixar as roupas dela de molho e, mais
uma vez, deixou naquela sala uma mulher completamente sem fala.
A distância
entre os dois foi aumentando e a mãe já não podia falar dela para o filho e nem
o filho, sobre ele, à mãe.
Ele voltou um dia, mas primeiro
vieram as doenças da solidão e, naquele lar de outrora, tornaram-se assíduas
moradoras. Doenças e filho não se entenderam, elas ficaram com a mãe, o filho
foi embora.
O tempo passou
muito rápido e um neto ela queria ver. Mas não o viu, a visão também resolveu
deixá-la. Levaram-na para algum lugar onde alguém cuidaria dela.
O tempo passou mais rápido
ainda. Quando foram buscá-la o neto já andava e falava muito bem.
– Ela não está
mais entre nós, há semanas. Tentamos avisá-lo, o celular que deixou no cadastro
não atendeu nenhuma vez. Não o encontramos.
– Fomos viajar, minha mãe
queria aproveitar os últimos dias bons da vida dela antes que a minha avó
viesse morar com a gente - disse o neto à diretora do abrigo. – Pai, avisa a
mamãe que ela pode começar a viver de novo, porque a vó morreu.
Hoje ela já
não é mais a sogra, nem a mãe, nem a avó.
Ao filho não restou mais nenhuma
oportunidade de beijar a testa da sua velha mãe e, na sala daquele abrigo,
prostou-se um filho completamente sem fala. Sobrou-lhe arrumar a documentação
que o asilo já tinha adiantado e recolher os pertences da falecida. De valor,
somente o álbum de fotos que ela tirava com o filho, enquanto viveram juntos. Ele
sabia que ela se perderia de si quando a solidão a encontrasse. Sabia também
que sem ele, ela não encontraria sua alma que aos poucos tomava outro rumo.
Ele sabia sobre ela. Eram fiéis
confidentes, até se separarem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário