Coluna " Mulheres" Jornal Folha da Região - 14/03/2009
Como numa visão de raio X. A mulata trazia nos olhos uma máquina que comia carnes. Tudo o que podia ver não passava de grades enferrujadas. Todo o espaço ao seu redor era geometricamente quadrado. Estava ali, mas jurava inocência. Não fora ela a responsável por aquele pacote na sua maleta. Não se sabe, até hoje, quem colocou aquela droga para incriminá-la. Foi conspiração. Ela suspeita daquela loira oxigenada que vivia dando em cima do Negão. O Negão era dela, ela o havia conquistado. Batalha dura. Mulher de garra, não ia perder o seu homem para uma oxigenada. Ela odiava as oxigenadas, as julgava mulheres fracas e de carne fria. Não sabem nem delas quanto mais de um homem. Tinha opinião formada. Mas algumas estão livres. Ela não é oxigenada, é mulher original, do jeito que veio ficou. Mas não foi ela, jura que não foi. Ela só queria o Negão, assim o chamava. Mas a oxigenada não dava sossego àquele homem dela.
A mulata jurou eliminá-la diante de uma platéia. Muitos a ouviram. Foi conspiração, ela tem certeza, está presa injustamente junto a outras tão injustamente presas, mas esta presa é mulher que não se abate e toca a vida que lhe toca. O Negão está enquadrado também. Ele queria aquela mulher com suas garras e de carne quente.
As visitas aconteciam, mas aquela de garra não recebia quem ela gostaria de ver. Ele estava longe dali, mas em qual pavilhão era a questão que ela queria desvendar.
_ Elas são mulheres falsas e não têm alma de mulher. Os olhos delas não são de mulher, penetram o corpo da presa estraçalhando as entranhas. É assim que eu vejo as oxigenadas. Quem não se aceita como é, não é mulher.
Não se cansava de repetir sua versão às companheiras de cela que já não eram mais oxigenadas por não haver, ali, o essencial para a tintura.
_ Vai chegar uma novata hoje. Não queremos confusão por aqui.
Respeitou aquela carcereira tão oxigenada quanto a sua inimiga.
A novata veio cavalgando em sua carruagem de serpente. Uma a outra se avistaram e mostraram suas presas afiadas. Estava mais loura do que quando pôs aquela encomenda na maleta da mulher que jurava estar presa injustamente. Aquele encontro prometia uma guerra. Agora era a oxigenada contra a mulher do Negão. Em honra à claridade de seus cabelos, a falsa encostou-se na cela para provocar a outra.
_ Estou grávida do Negão. Aconteceu durante as visitas.
Num X de um instante a visão da mulata virou um raio e grades já não havia entre a cela e o corredor. Os seus braços fortes e definidos atravessaram os ferros inexistentes naquele momento, agarrou-a. As unhas da mulher cravaram os ossos daquela cobra que já estava com os cabelos tingidos esparramados no chão. Atingiu os ossos daquele feto arrancando-lhe a carne, abortando-o ali mesmo. Já não havia mais filho do Negão, pois aquela presa foi abatida antes que ocupasse uma vaga na cela.
Olhou o seu desfecho esparramado naquele chão do corredor e suspirou aliviada por provocar uma situação que a colocasse, com razões, dentro daquele quadrado disforme às suas molduras.
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