Sou velha, não! Ainda que em frangalhos, estou vivinha da silva. É sério! Já vivi nas unhas de raposas velhas para poder sobreviver e no meu corpo trago os rasgões de suas garras.
Fazer o quê? Mãe é mãe. Nunca abandona um filho seu. Querem continuar pendurados, continuem. Afinal de contas não há corpo que preste que não tenha parasitas para perturbá-lo.
Tem sempre um filho e outro servindo-me de anti-helmíntico, meu suporte. Mas bichadas não acabam nunca. Apertam-se as mãos, tapinhas nas costas logo, quando me alimento estou toda infectada de novo, afinal, não posso dizer: Vou lavar as minhas mãos. Quantas interpretações maledicentes não fariam sobre essas minhas palavras?
Dizem que estou abandonada. Nem tanto ao mar, tampouco à terra. Convenhamos! Dizer isso é desprezar os meus filhos que jamais deixaram de lutar por mim, os que me tocam de verdade, pra frente, sem serem percebidos, não batem no peito, em público, para que todos saibam que foram eles que inventaram a roda da carroça. E por falar em roda...
Posso estar caindo aos pedaços, minha silhueta já não agrada mais (como é triste dizer isso), as minhas pernas estão cheias de celulites, parecendo buracos de asfalto. Será que com esse aspecto conseguirei um amante (já que esposos eleitos só me ferram), que me pague uma drenagem linfática, uma lipoaspiração, ou uma plástica que seja, aceito qualquer coisa. Me submeto às licitações, pregões, concorrências ou sei lá mais o quê que me possa investir. São tantos os problemas subcutâneos nas minhas vias de fato que quase me planto dentro deles. Nossa, fui tão profundo que até pude ver as ossadas dos caingangues.
Para eles não importava o meu nome, não parasitavam. A vida como eles viviam em mim era o que importava. Seus pisados modelavam o meu relevo, concretizando minha paisagem. E aconteceu de vermelhos e brancos, num colorido mesclado, enfrentarem-se para chegar o trem. Mas foi bom o trem entrando e saindo em mim, proliferei.
Já não tem mais o trem, mas ainda preciso pôr muitas coisas nos trilhos, porque, ainda que encraterada, eu sou mulher, e mulher que se preze não desiste de nada. Das valas que me valem posso ver as coisas de baixo pra cima, e o que saltam-me aos olhos fazem me sentir primata, e para algo que me resolva, acredito que a solução é cortar cabeças, esquecer-me a estirpe e atacar com canetadas e porretes os mandos que desordenam o meu organismo.
Ainda que nesta batalha não sobre nada de mim, vou à luta porque eu preciso sobreviver.
Nesse paradoxo, o meu todo preencherá minhas chagas, para que sobre minhas feridas cicatrizadas seres possam residir-me. Verão, em qualquer estação, uma cidade renascente, com outras perspectivas, ainda que advinda da minha falência.
O que quiserem que eu seja, sou! Mas antes mesmo de eu ser Araçatuba, eu já sabia que nascera Mulher. Por isso tenho identidade. Não a perdi, eu sou dona dela e ninguém me tira esse direito.
“ Araçatuba, Cidade que não desiste porque é da raça de Mulher.”
Portanto, visite-me quando quiser. Eu, jamais, pela minha raça, me deixarei acabar.
8 comentários:
Tudo que vem de você, Rita, é excelente. Mas quem não fala mal da cidade da gente? Pode ser um pequeno defeito, mas ao nosso olhar, torna-se gigante. Isso vai passar. É só levar na boa. Não se esquente. Bom Carnaval.
Caro amigo, Shigueyuki. É uma honra tê-lo em meu blog.
Mas... é o mesmo que falar mal da minha casa. Apesar de eu não conseguir deixá-la sempre em ordem, eu tento, juro!
Grande abraço, meu querido!
Rita Lavoyer
Rita, como sempre , amei ...amei mais esse.Esse q pode incutir tbm um "mea culpa" em cada araçatubense.Por não valorizar o chão q pisa, a "mulher" que o abraça e o acolhe, por não buscar opções para melhorar, por fazer publicidade negativa em cima de toda essa "Mulher" pela qual somos todos responsáveis.Obrigada por mostrar, Rita, a grandeza da sua visão e a ousadia de escancarar a responsabilidade de tds pela Terra-mulher onde nós vivemos..Parabéns pelo dia da Mulher!Muito me honra a sua amizade e a sua perspicácia tão evidente nas expressivas palavras dos seus textos.
Oh, Araçatuba, que dó...: logo no dia da mulher!
O desabafo de Araçatuba, pior que celulites são o excesso de pedágios e a falta de trem, não se trata de choradeira supérflua. Quem deveria defendê-la não sabe lidar com seus problemas. ‘Contra fatos não há argumentos’. E não é Araçatuba que precisa de analista. Seus esposos para solucionar seus problemas podem muito bem procura-los nas secretarias de obras, na justiça e nas comunicações. Araçatuba, com mais de cem anos, é uma cidade resolvida. Já foi do café, já foi do boi e agora é da cana. Ela sabe, por experiência própria, que mesmo cheia de celulite, pode encontrar quem a ame; ela sabe amar, uai!
Rita vc é ótimaaaaaaaaaaaaaa
Excelente texto!
Parabéns, Rita, inclusive pelo nosso dia!
Abraço e bom carnaval
Até levei um susto quando li! Confesso que faço parte da comunidade "Visite Araçatuba antes que acabe". Critico e defendo minha cidade sempre, apesar de todos os seus problemas...
Adorei o seu texto, mto bom!
Abraços^^
Que você é de Araçatuba eu sei, Rita.
Mas esta conversa mole'estou isto', 'estou aquilo', falando de feiúra, não cola! Essa não!
Quer convencer? Tira o retrato, coloque o daquela sua tia. Aí vão dizer "nossa, que horror". E não escrevem nada aqui...
Beijos
Jorge
Eita mulher brigadora! Bem-aventurada seja Araçatuba, com defensoras como você. Um beijo e bom carnaval.
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