CLASSIFICAÇÕES EM CONCURSOS LITERÁRIOS

PREMIAÇÕES LITERÁRIAS

2007 - 1ª colocada no Concurso de poesia "Osmair Zanardi", promovido pela Academia Araçatubense de Letras, com a poesia O FILME;

2010 - Menção Honrosa no Concurso Nacional de Contos Cidade de Araçatuba, com o conto A CARTA;

2012 - 2ª classificada no Concurso Internacional de Contos Cidade de Araçatuba, com o conto O BEIJO DA SERPENTE;

2012 - 7ª colocado no concurso de blogs promovido pela Cia dos Blogueiros - Araçatuba-SP;

2014 - tEXTO selecionado pela UBE para ser publicado no Jornal O Escritor- edição 136 - 08/2014- A FLOR DE BRONZE //; 2014 – Menção honrosa Concurso Internacional de Contos Cidade de Araçatuba, com o conto LEITE QUENTE COM AÇÚCAR;

2015 – Menção honrosa no V Concurso Nacional de Contos cidade de Lins, com o conto MARCAS INDELÉVEIS;

2015 - PRIMEIRA CLASSIFICADA no 26º Concurso Nacional de Contos Paulo Leminski, Toledo-PR, com o conto SOB A TERRA SECA DOS TEUS OLHOS;

2015 - Recebeu voto de aplausos pela Câmara Municipal de Araçatuba;

2016 – 2ª classificada no Concurso Nacional de contos Cidade de Araçatuba com o conto A ANTAGONISTA DO SUJEITO INDETERMINADO;

2016 - classificada no X CLIPP - concurso literário de Presidente Prudente Ruth Campos, categoria poesia, com o poema AS TUAS MÃOS.

2016 - 3ª classificada na AFEMIL- Concurso Nacional de crônicas da Academia Feminina Mineira de Letras, com a crônica PLANETA MULHER;

2012 - Recebeu o troféu Odete Costa na categoria Literatura

2017 - Recebeu o troféu Odete Costa na categoria Literatura

2017 - 13ª classificada no TOP 35, na 4ª semana de abril de microconto Escambau;

2017 - Classificada no 7º Concurso de microconto de humor de Piracicaba.

2017 - 24ª classificada no TOP 35, na 2ª semana de outubro de microconto Escambau;

2017 - 15ª classificada no TOP 35, na 3ª semana de outubro de microconto Escambau;

2017 - 1ª classificada no concurso de Poesia "Osmair Zanardi", promovido pela Academia Araçatubense de Letras, com a poesia PERMITA-SE;

2017 - 11ª classificada no TOP 35, na 4ª semana de outubro de microconto Escambau;

2018 - 24ª classificada no TOP 35, na 3ª semana de janeiro de microconto Escambau;

2018 - Menção honrosa na 4ª edição da Revista Inversos, maio/ com o tema Crianças da África - Poesia classificada BORBOLETAS AFRICANAS ;

2018 - 31ª classificada no TOP 35, na 4ª semana de janeiro de microconto Escambau;

2018 - 32ª classificada no TOP 35, na 4ª semana de janeiro de microconto Escambau;

2018 - 5ª classificada no TOP 7, na 1ª semana de junho de microconto Escambau;

2018 - 32ª classificada no TOP 35, na 3ª semana - VII de junho de microconto Escambau;

2019 - Classificada para antologia de suspense -segundo semestre - da Editora Jogo de Palavras, com o texto OLHO PARA O GATO ;

2019 - Menção honrosa no 32º Concurso de Contos Cidade de Araçatuba-SP, com o conto REFLEXOS DO SILÊNCIO;

2020 - 29ª classificada no TOP 35, na 4ª semana - VIII de Prêmio Microconto Escambau;

2020 - Menção honrosa no 1º Concurso Internacional de Literatura Infantil da Revista Inversos, com o poema sobre bullying: SUPERE-SE;

2020 - Classificada no Concurso de Poesias Revista Tremembé, com o poema: QUANDO A SENHORA VELHICE VIER ME VISITAR;

2020 - 3ª Classificada no III Concurso de Contos de Lins-SP, com o conto DIÁLOGO ENTRE DUAS RAZÕES;

2020 - 2ª Classificada no Concurso de crônicas da Academia Mogicruzense de História Artes e Letras (AMHAL), com a crônica COZINHA DE MEMÓRIA

CLASSIFICAÇÕES EM CONCURSOS

  • 2021 - Selecionada para a 6ª edição da revista SerEsta - A VIDA E OBRA DE MANUEL BANDEIRA , com o texto INILUDÍVEL ;
  • 2021 Selecionada para a 7ª edição da revista SerEsta - A VIDA E A OBRA DE CECÍLIA MEIRELES com o texto MEU ROSTO, MINHA CARA;
  • 2021 - Classificada no 56º FEMUP - com a poesia PREPARO A POESIA;
  • 2021 - Classificada na 7ª ed. da Revista Ecos da Palavra, com o poema CUEIROS ;
  • 2021 - Classificada na 8ª ed. da Revista Ecos da palavra, cujo tema foi "O tempo e a saudade são na verdade um relógio". Poema classificado LIBERTE O TEMPO;
  • 2022 - Classificada no 1º Concurso Nacional de Marchinhas de Carnaval de Araçatuba, com as Marchinhas EU LEIO e PÉ DE PITOMBA;
  • 2022 - Menção honrosa na 8ª edição da Revista SerEsta, a vida e obra de Carlos Drummond de Andrade , com o texto DIABO DE SETE FACES;
  • 2022 - Classificada na 10ª ed. Revista Ecos da Palavra, tema mulher e mãe, com o texto PLANETA MULHER;
  • 2022 - Classificada na 20ª ed. Revista Inversos, tema: A situação do afrodescendente no Brasil, com o texto PARA PAGAR O QUE NÃO DEVO;
  • 2022 - Classificada na 12ª ed. Revista Ecos da Palavra, tema Café, com o poema O TORRADOR DE CAFÉ;
  • 2022 - selecionada para 1ª antologia de Prosa Poética, pela Editora Persona, com o texto A FLOR DE BRONZE;
  • 2022 - Selecionada para 13ª edição da Revista Ecos da Palavra, tema MAR, com o poema MAR EM BRAILLE;
  • 2022 - Classificada para 2ª edição da Revista Mar de Lá, com o tema Mar, com o poema MAR EM BRAILLE;
  • 2022 - Classificada para 3ª Ed. da Revista Mar de Lá com o microconto UM HOMEM BEM RESOLVIDO;
  • 2022- Classificada com menção honrosa no 34º Concurso Nacional de Contos Cidade de Araçatuba, com o conto O CORTEJO DA MARIA ROSA;
  • 2022- Classificada pela Editora Persona com o conto policial QUEM É A LETRA L;
  • 2022 - Classificada no Concurso da E-33 Editora, Série Verso e Prosa, Vol.2 Tema Vozes da Esperança, com o poema POR ONDE ANDAS, ESPERANÇA? ;
  • 2023 - Classificada na 15ª edição da Revista Literária ECOS da Palavra, com o poema VENTO;
  • 2023 - Classificada para coletânea de poetas brasileiros pela Editora Persona, com o poema CUEIROS;
  • 2023- Selecionada na 23ª ed. da revista Literária Inversos com tema "Valores Femininos e a relevância do empoderamento e do respeito da mulher na sociedade contemporânea", com o poema ISSO É MULHER;
  • 2023 - Classificada no Concurso de Contos de Humor, Editora Persona, com o conto O PÃO QUE O QUINZIM AMASSOU;
  • 2023 - Classificada no Concurso de Poesias Metafísica do Eu, Editora Persona, com o poema QUERO OLHOS ;
  • 2023 - Selecionada pra a 11ª Edição da Revista SerEsta, A vida e obra de Paulo Leminsk, com o poema EL BIGODON DE CURITIBA ;
  • 2023 - Classificada no 1º concurso de poesia do Jornal Maria Quitéria- BA, com o tema " Mãe, um verso de amor", com o poema UM MINUTO DE SILÊNCIO À ESSAS MULHERES MÃES;
  • 2023 - Selecionada para Antologia literária - Série Verso e Prosa. Vol. 4, tema Vozes da Solidão, editora E-33, com a crônica A MÃE;
  • 2023 - Selecionada para a 9ª ed. da Revista Mar de Lá, como poema O POETA E A AGULHA;
  • 2023 - Classificada no concurso de Prosa Poética , Editora Persona, com o texto QUERO DANÇAR UMA MÚSICA CONTIGO;
  • 2023 - Selecionada para Antologia literária - Série Verso e Prosa. Vol.5, tema Vozes do Sertão, editora E-33, com o poema IMAGEM DE OUTRORA;
  • 2023 - Selecionada para Antologia literária - Série Verso e Prosa. Vol.6, tema FÉ, Editora E-33, com o poema OUSADIA POÉTICA;
  • 2023 - CLASSIFICADA para a Antologia Embalos Literários, Editora Persona, com o conto SEM AVISAR;
  • 2023 - Classificada na 18ª edição da Revista Literária ECOS da Palavra, com o poema FLORES, com o poema O PODER DA ROSINHA;
  • 2023 - Selecionada para Antologia literária - Série Verso e Prosa. Vol.7, tema AMIZADE, Editora E-33, com o poema AMIZADE SINCERA;
  • 2023 - Classificada em 8ª posição no Prêmio Castro Alves, na 33ª ed. Concurso de Poesia com temática Espírita, com o poema SOLIDARIEDADE;
  • 2023 - Selecionada para Antologia literária - Série Verso e Prosa. Vol.8, Vozes da Liberdade, tema , Editora E-33, com o poema REVOADA;
  • 2023 - Classificada para a Antologia Desejos profundos - coletânea de textos eróticos , Editora Persona, com o poema AGASALHA-ME;
  • 2023 - Classificada para antologia Roteiros Adaptados 2023 - coletânea de textos baseados em filmes, Editora Persona, com o texto BARBIE, UMA BONECA UTILITÁRIA;
  • 2023 - PRIMEIRO LUGAR no Concurso , edital 003/2023 - Literatura - seleção de projetos inéditos, promovido pela Secretaria Municipal de Cultura de Araçatuba, com o livro infantojuvenil DENGOSO, O MOSQUITINHO ANTI-HERÓI;
  • 2024 - Selecionada para compor a Coletânea Cronistas Contemporâneo, pela Editora Persona, com o texto A CONSTRUÇÃO DE UMA PERSONAGEM;
  • 2024 - Classificada para 19ª edição da Revista Literária Ecos da Palavra, com o poema A PASSARINHA;
  • 2024 - Classificada para a 13ª edição da Revista Mar de Lá, com o poema O TORRADOR DE CAFÉ;
  • 2024 - Selecionada para compor a Coletânea "Um samba no pé, uma caneta na mão", tema carnaval, pela Editora Persona, com o poema DEIXA A VIDA TE LEVAR;
  • 2024 - Selecionada para compor a coletânea "Revisitando o Passado", promovido pelo Projeto Apparere, com a crônica COZINHA DE MEMÓRIA;
  • 2024 - Selecionada para compor a Coletânea de Poetas Brasileiros,2024, Editora Persona, com o poema IMAGEM DE OUTRORA;
  • 2024 - Selecionada para compor a Antologia JOGOS DO AMOR, promovida pela Revista Conexão Literária, com o tema O jogo do amor, poema classificado: TENHO MEDO;
  • 2024- Selecionada para 20ª ed. da Revista Literária Ecos da Palavra, com o tema INFÂNCIA, com o poema DEBAIXO DE UMA LARANJEIRA;

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

MARCAS INDELÉVEIS - conto classificado no V Concurso Nacional e Contos cidade de Lins.

MARCAS INDELÉVEIS –  Rita de Cássia Zuim Lavoyer
Havia os bois que eram levados para os matadouros.  Dezenas passavam em frente à casa da minha infância, sendo tangidos por cavaleiros com roupas de couro: couro de bois! Traziam anéis de aços pendurados em suas narinas de onde vazava sangue que vinha juntar-se à espuma do canto de suas bocas. Eles bufavam enquanto marchavam unidos, desperdiçando seus olhares naquele trajeto indefinido.
Numa das passagens, senti que um deles, a par com um cavaleiro negro, de vestes negras, que o aguilhoava, me olhava e,  do portão de onde os assistia, eu o encarei. Era um boi todo preto. Ele virou a cabeça em minha direção para melhor me ver os olhos.   O seu olhar provocador atravessou-me. Transpus  o portão e postei-me  do lado de fora, encostada na cerca de balaústre. Senti, ainda que distante,  o fervor daquela  respiração avolumar-se em minha coluna,  paralisando-a, avermelhando a minha face e, em contraste,  gelando e empalidecendo os meus pés. 
Em minhas entranhas brotaram emoções que na minha vida de menina ainda não tinha experimentado em volume, temperatura e cor, tornando minha pulsação desordenada, o peito opresso e a angústia do significado daquele olhar me assaltando: – Por que me encarou? Acusar-me-ia de não impedir que uma possível crueldade fosse perpetrada?    Olhei-o do pescoço ao peito de onde também escorria-lhe o  sangue, desenhando o seu rastro vermelho no chão. Quem o havia ferido naquela parte?  Desci os meus olhos até as suas patas e com elas deixei ir o meu olhar até ao ponto em que consegui alcançar aquela marcha. O boi preto deixou-me claro que seu peso não era pouco: suficiente para saciar o desejo de muita fome.  A rua de terra vermelha mais vermelha ficou com aqueles sangues que avisavam sobre o iminente holocausto.  O sangue do boi preto figurava-se o mais pigmentado, eu senti! 
Quando todos passaram e a poeira baixou,  corri para calçar os meus pés nus nos rastros grandiosos que aquele boi sobranceiro e ensanguentado registrou na terra da minha rua, agasalhando-os.  Aquelas pegadas que eu calcei eram as dele. Identifiquei o seu sangue nelas, pois as tinha registrado em mim. Gravara no solo as suas marcas tal qual o seu proprietário tisnara a dele em sua anca.  Estaria, com esse gesto, inconscientemente afirmando que se eu pudesse tomaria a sua marcha forçada como minha?  Por que o fiz? Irrespondível?
Na minha ingenuidade, pus-me diariamente a esperar bois pretos no portão. Vieram novamente dezenas deles, de variadas cores,  apresentando os mesmos sofrimentos, sendo empurrados pelos mesmos tocadores  sobre os cavalos. Nem um, nem outro naquelas passagens encarou-me como aquele de outro dia. Foi único! Todos bufavam suas rusticidades, mas suas respirações automáticas não exalavam vontades para enrubescer as minhas bochechas alvas, tampouco desnudar-me os pés, substituindo as marcas daquele boi preto em mim. Encarou-me, todavia, um cavaleiro negro, de negra veste. Inexplicavelmente o meu peito arfou! Emoções me assaltaram e rubor e palidez se alternaram em minha pele.
O tempo passava à medida que passavam aquelas pegadas pregadas no chão, repetitivo... monótono... A cena do amontoado de dores nos cantos das bocas, as  fúrias adormecidas nos olhares -  estampando os recuos diante da luta -  eram as mesmas.  A seca do chão empoeirava as feridas das narinas dos animais, encobrindo aquela dor vermelha que delas escorria. Sempre o cavaleiro negro com seu olhar carregado de significações que eu, menina, não alcançava, me encarava. 
Num dia em que eu não era mais criança, para minha surpresa, somente um tocador conduzia a boiada. Abandonado, o portão estremecia pelo vento e pelo tropel. Estava só na janela. No parapeito, apoiava minha ansiedade, que se debruçara sobre mim desde a passagem daquela tropa que me assaltara na presença do boi preto. Há tanto tempo... Eu, moçoila, sentia ainda os meus pés calçados com a marca daquele  boi. 
Nunca mais nenhum boi olhara o meu olhar: desta vez somente o tocador virou-se para olhar-me, o mesmo olhar que me perseguia! O solitário condutor, o cavaleiro negro, deixou cair algo, um embrulho...  Eu, trôpega,  caminhei e rojei-me ao chão  para apanhá-lo, era um papel branco com muitas coisas escritas – um bilhete – envolvendo uma rosa vermelha que, sentindo o chão, se aconchegou num rachado  de terra sedenta de um pingo de sangue que fosse, para matar-lhe a vontade de continuar promovendo vida. Não havia pisados fundos naquele chão, por isso não calcei os meus pés em qualquer marca. Peguei a rosa e o bilhete e, ao abri-lo, vi que minhas mãos estavam sujas de terra vermelha, marcando-o.   No que o li, o meu olhar buscou ao longe o movimento do corpo daquele cavaleiro sobre o animal – notei não ser o mesmo cavalo sobre o qual montara durante o tempo em que os assistia da minha janela, mas era o mesmo tocador daquele boi preto. 
 Aos acordes daquela marcha, galopei minha visão das suas costas à coxa e os meus olhos dançaram ao ritmo daquele cavalgar. No meio da rua fiquei esperando desaparecer – no horizonte onde o céu azul acasalava-se com a terra vermelha – a imagem que bailava,  destacando-se gloriosa naquele conjunto de martírios.
Parou! Ele parou! Olhou para trás, puxou a rédea e voltou lentamente. Percebi que o cavaleiro marchava ao meu encontro, trazendo na sua garupa sentidos que borbulhavam um vermelho transgressor nas minhas artérias, desorientando as vias de comunicação entre o meu corpo e a minha mente.  As batidas harmônicas daquele trotar  vibravam o meu chão, desconcertando-me os pés.
Corri, atravessei o portão, retornei e coloquei-me novamente no mesmo lugar da rua, escondendo atrás de mim as minhas mãos sujas. Ele apeou do animal – percebi que era uma fêmea muito bela.  O seu pelo branco trazia marcas das encilhadas. Suas pernas bem formadas mostravam-me músculos satisfeitos por aquela montaria.  Enquanto eu a apreciava, o cavaleiro me olhava.  Não disse nada. No primeiro passo que ele deu  à frente, com uma tijolada certeira, atingi-lhe o nariz. Seu sangue esguichou, respingou-me a blusa branca, transpassando o tecido, manchando o bilhete que guardara no seio. Tijolo e cavaleiro eu os vi tombando num mesmo instante. De quatro, o homem bufava preso ao chão,  enquanto o sangue que lhe escorria preenchia alguns vãos da terra rachada. Três horas da tarde havia de ser. Os raios do sol a pino azulavam daquele homem a sua pele negra.  A fervura da sua respiração ofegante queimava a minha face. Ele ergueu a cabeça para melhor me ver os olhos. Nossos olhares destemidos encontraram-se silenciosamente naquele ato de angústia. Por que nos encaramos?
 Num meio sorriso puxado para um dos cantos da boca, mostrando os lábios entreabertos, pude ver os seus dentes alvos avermelharem-se num instante. Provara do meu desejo de vê-lo tal qual aquele boi preto que um dia me assaltara.  A minha boca estava cheia e num de seus cantos escorria, límpida, minha saliva com a qual saciei minha sede daquela visão. O meu prazer absolveu-me daquela arbitrariedade.  Senti, pela segunda vez, a mesma sensação de quando o olhar provocador do boi atravessou-me. Apertei meu lábio entre os dentes, acalentando as forças que me queriam devorar.
Com postura altiva, a fêmea encarava-me. Ela abaixou a cabeça – ouvi, sentindo, sua respiração – para tocar o seu montador, deixando-me ver uma marca preta em seu dorso e a palavra “Moça” gravada na sela sobre a qual montava aquele homem.
Depois que se levantou e limpou seu sangue, que lhe escorria farto das narinas, disse-me:   – Volto amanhã, potranca.  
 – Não volte mais! – eu lhe ordenei.
Aquele cavaleiro negro não desistiu de obter o melhor de seu sonho. Voltou muitas vezes, entre as muitas, sem os bois, somente ele montado em sua Moça.
 Foi bravo aquele cavaleiro que avançou no roteiro a que estava destinado, não recuando diante da luta, tampouco das regras que o impediriam de seguir adiante. Éramos caças e caçadores. Com o tempo, ele abandonou as rédeas da minha selvageria e dois corpos tornaram-se um, aliançados pelo desejo de consumirmos um do outro as respirações, alimentando nossas carnes famintas de cavalgadas e confidências. 
Contou-me que aquele boi preto que me encarou morreu no matadouro – “como e por que”, igual a todos que eram levados para lá.
Quando as lembranças daquelas cenas me vinham, voltava àquele bilhete já amarelado pelo tempo, com letra caprichada do  cavaleiro e o lia. Minha boca se enchia, minhas bochechas ardiam e eu sentia o berro silencioso daquele boi preto figurar-se novamente nos meus pés. Então convidava o cavaleiro e, na garupa da Moça, meu esposo me levava para cavalgarmos até onde nossos sentidos nos permitiam.
 Sob um céu azulado, nossos corpos sentiam a relva e meus cabelos fluíam como véu de noiva à margem do riacho em que Moça matava sua sede. Discreta, andava pelo campo e prostrava-se à sombra do ambiente que desabrochava-se ímpar a cada estada dos nossos prazeres ali, sentindo a terra, a bem da terra e de nossos corpos. Depois saíamos à caça.
– Menina, ali! Mire... Agora!
Chamava-me de “Menina”, apesar de há muito ter deixado esta fase. Deitados, com o meu corpo sobre o seu dorso, ele emprestava-me a visão.  Quando ele me dizia “agora”, era somente apertar o gatilho que o tiro era certeiro.  Montávamos em Moça e retornávamos para, juntos, limparmos nossas presas e prepararmos nosso jantar. Aprendemos apreciar a caça. Éramos únicos no preparo das nossas refeições; ele, sem camisa, mostrava seus músculos revestidos por uma pele negra que me encantava. Deixávamos o tempo consumir-nos neste preparo e, afoitos, comíamos.
– Menina, ali! Mire... Agora!
Moça assustou-se e eu errei a alvo, nossa presa fugiu e outros animais que passavam por ali também. Estranhamos o comportamento da Moça, nunca antes se assustara com os tiros que disparamos. Voltamos para casa sem nenhuma caça que nos servisse de alimento.  Já atirava bem e, bem distante de onde adornávamos a relva, conhecemos outros campos que se nos exibiam fartos. Moça apresentava-se irrequieta e atrapalhava-nos os tiros. Íamos e voltávamos perdendo munições;  Moça não nos permitia sossego. Investimos em mais calibres. Então, num dia de desafio, meu cavaleiro resolveu amarrá-la a uma árvore, sem apertar o nó. Nem ele, nem eu a queríamos presa.
Estávamos nós dois com as nossas armas em punho. Disparei o meu tiro: errei. O meu cavaleiro fez o mesmo e nenhum animal caiu, servindo-nos de jantar. Silenciado o ambiente, abaixei-me, mirando um alvo suculento. Estava próximo a mim, não tinha como errar o tiro. O meu cavaleiro, ao meu lado, dava as coordenadas. Moça relinchava e escoiceava atrevida, apresentando-nos sua selvageria, rompendo com a árvore o nó de sua rédea. Sobre mim ela quis romper nossos laços de amizade. Meu cavaleiro postou-se entre nós duas e, sem entender o que fiz, da minha arma o projétil atingiu-lhe o peito. Eu o feri naquele lugar. Tombara ali, sobre mim, o meu cavaleiro.  Seu sangue jorrou e tive  minha blusa branca lavada de vermelho, desenhando sobre  mim o seu rastro.  Gravara-se em mim a sua marca tal qual um proprietário marca o seu animal.
Com postura altiva, Moça encarava-me e, de seus olhos, decifrei julgamentos, condenando-me de um crime que eu não quis cometer. Ela abaixou a cabeça, ouvi - sentindo o fervor da sua respiração – para tocar o seu montador.  Moça bufava enfurecida.  Estaria, com esse gesto, inconscientemente afirmando que se ela pudesse atribuiria a mim aquele ato como voluntário?  Por que o faria? Irrespondível...
Então, ele partiu: o meu Cavaleiro, para quem um nome melhor não houve: Cavaleiro. Lembrei-me de quando a “Moça” o conduziu para mim – instrumento da nossa marcha nupcial! Por causa daquele retorno que ambos fizeram a passos combinados, nós três seguimos em frente. Formávamos um triangulo de amizade, logo nossos sentimentos se nos refletiam.  Acabara, naquela caça amadora, entre mim e ela, a nossa cumplicidade. 
Os bois não vão mais para os matadouros tangidos por tocadores.  E os nossos anéis de ouro, do meu esposo e o meu, que nos ataram como em laço para seguirmos a par, eu os uni no dedo da minha mão esquerda, suja pela terra vermelha que vestirá para sempre aquele corpo negro gravado na minha anatomia.  Não pude impedir que a nossa separação fosse perpetrada. Agora, somente a terra o consumirá, sentindo o gosto da sua carne.
O bilhete! O meu, o nosso bilhete: cheio de revelações incandescentes à minha menina – aquela que o cavaleiro enxergou na moça que se queria mulher  quando esperava os bois passarem...  Lendo-o, embora se esfarelando, recupero aquele momento que me propiciou transformações. Ainda pulsa a mensagem que ele jogou naquela rua de terra seca, avermelhando a minha face que, até então, não a tinha visto rachada. Meu gentil Cavaleiro a preencheu durante o tempo em que estivemos juntos. Sem que eu percebesse, a sua completude alimentou-me desde o início da nossa história: aquele em que nos encaramos. Revi o que fora uma flor vermelha, hoje apenas pó, nada mais.
Quem corria para o portão – a minha menina-moça – para ver aquelas passagens de bois, degusta, neste instante, os farelos do bilhete amarelado pelo tempo, na intenção de que o sangue, que há anos fora respingado nele, me fortaleça para continuar a minha marcha.  Ele roça o céu da minha boca amadurecida e agasalha a minha língua de mulher, saciando os galopes dos meus sentimentos. Não há espuma e nada escorre da minha boca, por isso engulo as revelações marcadas naquele bilhete a seco. A minha menina-moça de pés calçados partiu com ele.
 Agora, calço-me os pés de mim mesma, assumindo minha rédea, tomando a marcha como minha, consciente de levar – até onde o meu olhar alcançar – o roteiro que agora é só meu,  como quem vai para o matadouro, mas sem recuar diante da luta sabendo, por ter aprendido com ele - meu Cavaleiro - desde quando nos encaramos - “como e por que” lutar:   marca registrada do meu Cavaleiro Negro em mim,  alimento do meu ser.
A Moça não me pode acompanhar.  Marcho  só, juntando meu olhar, definindo meu trajeto.

Autoria: Rita de Cássia Zuim Lavoyer  - Araçatuba   
5º colocado no V Concurso Nacional de Contos cidade de Lins - SP                                               

3 comentários:

Jorge Sader Filho disse...

Parabenizo a amiga querida pela colocação destacada no concurso de contos.
Realmente, está muito interessante, bem narrado e coeso, Rita.
Abraço
Jorge

Rita Lavoyer disse...

Obrigada, Jorge, pela leitura e comentário.

Rita Lavoyer disse...

Blogger Célia Rangel disse...
Rita!
Parabenizá-la é pouco! Li inicialmente tendo uma impressão simplista. À medida em que me apropriei do cenário, das imagens e personagens, transportando-me para o interior de sua narrativa-descritiva, fui Moça, fui Mulher, fui Cavaleiro, Boi e Boiada completa, nas marcas do sangue no chão, e nas marcas de corpos que se encontram e se doam, ainda que "sangremos"... Há uma altivez da feminilidade que se posiciona, ainda que tenha passado por uma identidade animalesca! Sabe do que mais, Rita? Perdi o compasso com essa leitura: encontrei-me nos personagens e suas diversidades, totalmente isenta de todo e qualquer "pré-conceito". Obrigada pela oportunidade! Aplaudo-a!
Abraço.

7 de novembro de 2015 17:10 Excluir