CLASSIFICAÇÕES EM CONCURSOS LITERÁRIOS

PREMIAÇÕES LITERÁRIAS

2007 - 1ª colocada no Concurso de poesia "Osmair Zanardi", promovido pela Academia Araçatubense de Letras, com a poesia O FILME;

2010 - Menção Honrosa no Concurso Nacional de Contos Cidade de Araçatuba, com o conto A CARTA;

2012 - 2ª classificada no Concurso Internacional de Contos Cidade de Araçatuba, com o conto O BEIJO DA SERPENTE;

2012 - 7ª colocado no concurso de blogs promovido pela Cia dos Blogueiros - Araçatuba-SP;

2014 - tEXTO selecionado pela UBE para ser publicado no Jornal O Escritor- edição 136 - 08/2014- A FLOR DE BRONZE //; 2014 – Menção honrosa Concurso Internacional de Contos Cidade de Araçatuba, com o conto LEITE QUENTE COM AÇÚCAR;

2015 – Menção honrosa no V Concurso Nacional de Contos cidade de Lins, com o conto MARCAS INDELÉVEIS;

2015 - PRIMEIRA CLASSIFICADA no 26º Concurso Nacional de Contos Paulo Leminski, Toledo-PR, com o conto SOB A TERRA SECA DOS TEUS OLHOS;

2015 - Recebeu voto de aplausos pela Câmara Municipal de Araçatuba;

2016 – 2ª classificada no Concurso Nacional de contos Cidade de Araçatuba com o conto A ANTAGONISTA DO SUJEITO INDETERMINADO;

2016 - classificada no X CLIPP - concurso literário de Presidente Prudente Ruth Campos, categoria poesia, com o poema AS TUAS MÃOS.

2016 - 3ª classificada na AFEMIL- Concurso Nacional de crônicas da Academia Feminina Mineira de Letras, com a crônica PLANETA MULHER;

2012 - Recebeu o troféu Odete Costa na categoria Literatura

2017 - Recebeu o troféu Odete Costa na categoria Literatura

2017 - 13ª classificada no TOP 35, na 4ª semana de abril de microconto Escambau;

2017 - Classificada no 7º Concurso de microconto de humor de Piracicaba.

2017 - 24ª classificada no TOP 35, na 2ª semana de outubro de microconto Escambau;

2017 - 15ª classificada no TOP 35, na 3ª semana de outubro de microconto Escambau;

2017 - 1ª classificada no concurso de Poesia "Osmair Zanardi", promovido pela Academia Araçatubense de Letras, com a poesia PERMITA-SE;

2017 - 11ª classificada no TOP 35, na 4ª semana de outubro de microconto Escambau;

2018 - 24ª classificada no TOP 35, na 3ª semana de janeiro de microconto Escambau;

2018 - Menção honrosa na 4ª edição da Revista Inversos, maio/ com o tema Crianças da África - Poesia classificada BORBOLETAS AFRICANAS ;

2018 - 31ª classificada no TOP 35, na 4ª semana de janeiro de microconto Escambau;

2018 - 32ª classificada no TOP 35, na 4ª semana de janeiro de microconto Escambau;

2018 - 5ª classificada no TOP 7, na 1ª semana de junho de microconto Escambau;

2018 - 32ª classificada no TOP 35, na 3ª semana - VII de junho de microconto Escambau;

2019 - Classificada para antologia de suspense -segundo semestre - da Editora Jogo de Palavras, com o texto OLHO PARA O GATO ;

2019 - Menção honrosa no 32º Concurso de Contos Cidade de Araçatuba-SP, com o conto REFLEXOS DO SILÊNCIO;

2020 - 29ª classificada no TOP 35, na 4ª semana - VIII de Prêmio Microconto Escambau;

2020 - Menção honrosa no 1º Concurso Internacional de Literatura Infantil da Revista Inversos, com o poema sobre bullying: SUPERE-SE;

2020 - Classificada no Concurso de Poesias Revista Tremembé, com o poema: QUANDO A SENHORA VELHICE VIER ME VISITAR;

2020 - 3ª Classificada no III Concurso de Contos de Lins-SP, com o conto DIÁLOGO ENTRE DUAS RAZÕES;

2020 - 2ª Classificada no Concurso de crônicas da Academia Mogicruzense de História Artes e Letras (AMHAL), com a crônica COZINHA DE MEMÓRIA

CLASSIFICAÇÕES EM CONCURSOS

  • 2021 - Selecionada para a 6ª edição da revista SerEsta - A VIDA E OBRA DE MANUEL BANDEIRA , com o texto INILUDÍVEL ;
  • 2021 Selecionada para a 7ª edição da revista SerEsta - A VIDA E A OBRA DE CECÍLIA MEIRELES com o texto MEU ROSTO, MINHA CARA;
  • 2021 - Classificada no 56º FEMUP - com a poesia PREPARO A POESIA;
  • 2021 - Classificada na 7ª ed. da Revista Ecos da Palavra, com o poema CUEIROS ;
  • 2021 - Classificada na 8ª ed. da Revista Ecos da palavra, cujo tema foi "O tempo e a saudade são na verdade um relógio". Poema classificado LIBERTE O TEMPO;
  • 2022 - Classificada no 1º Concurso Nacional de Marchinhas de Carnaval de Araçatuba, com as Marchinhas EU LEIO e PÉ DE PITOMBA;
  • 2022 - Menção honrosa na 8ª edição da Revista SerEsta, a vida e obra de Carlos Drummond de Andrade , com o texto DIABO DE SETE FACES;
  • 2022 - Classificada na 10ª ed. Revista Ecos da Palavra, tema mulher e mãe, com o texto PLANETA MULHER;
  • 2022 - Classificada na 20ª ed. Revista Inversos, tema: A situação do afrodescendente no Brasil, com o texto PARA PAGAR O QUE NÃO DEVO;
  • 2022 - Classificada na 12ª ed. Revista Ecos da Palavra, tema Café, com o poema O TORRADOR DE CAFÉ;
  • 2022 - selecionada para 1ª antologia de Prosa Poética, pela Editora Persona, com o texto A FLOR DE BRONZE;
  • 2022 - Selecionada para 13ª edição da Revista Ecos da Palavra, tema MAR, com o poema MAR EM BRAILLE;
  • 2022 - Classificada para 2ª edição da Revista Mar de Lá, com o tema Mar, com o poema MAR EM BRAILLE;
  • 2022 - Classificada para 3ª Ed. da Revista Mar de Lá com o microconto UM HOMEM BEM RESOLVIDO;
  • 2022- Classificada com menção honrosa no 34º Concurso Nacional de Contos Cidade de Araçatuba, com o conto O CORTEJO DA MARIA ROSA;
  • 2022- Classificada pela Editora Persona com o conto policial QUEM É A LETRA L;
  • 2022 - Classificada no Concurso da E-33 Editora, Série Verso e Prosa, Vol.2 Tema Vozes da Esperança, com o poema POR ONDE ANDAS, ESPERANÇA? ;
  • 2023 - Classificada na 15ª edição da Revista Literária ECOS da Palavra, com o poema VENTO;
  • 2023 - Classificada para coletânea de poetas brasileiros pela Editora Persona, com o poema CUEIROS;
  • 2023- Selecionada na 23ª ed. da revista Literária Inversos com tema "Valores Femininos e a relevância do empoderamento e do respeito da mulher na sociedade contemporânea", com o poema ISSO É MULHER;
  • 2023 - Classificada no Concurso de Contos de Humor, Editora Persona, com o conto O PÃO QUE O QUINZIM AMASSOU;
  • 2023 - Classificada no Concurso de Poesias Metafísica do Eu, Editora Persona, com o poema QUERO OLHOS ;
  • 2023 - Selecionada pra a 11ª Edição da Revista SerEsta, A vida e obra de Paulo Leminsk, com o poema EL BIGODON DE CURITIBA ;
  • 2023 - Classificada no 1º concurso de poesia do Jornal Maria Quitéria- BA, com o tema " Mãe, um verso de amor", com o poema UM MINUTO DE SILÊNCIO À ESSAS MULHERES MÃES;
  • 2023 - Selecionada para Antologia literária - Série Verso e Prosa. Vol. 4, tema Vozes da Solidão, editora E-33, com a crônica A MÃE;
  • 2023 - Selecionada para a 9ª ed. da Revista Mar de Lá, como poema O POETA E A AGULHA;
  • 2023 - Classificada no concurso de Prosa Poética , Editora Persona, com o texto QUERO DANÇAR UMA MÚSICA CONTIGO;
  • 2023 - Selecionada para Antologia literária - Série Verso e Prosa. Vol.5, tema Vozes do Sertão, editora E-33, com o poema IMAGEM DE OUTRORA;
  • 2023 - Selecionada para Antologia literária - Série Verso e Prosa. Vol.6, tema FÉ, Editora E-33, com o poema OUSADIA POÉTICA;
  • 2023 - CLASSIFICADA para a Antologia Embalos Literários, Editora Persona, com o conto SEM AVISAR;
  • 2023 - Classificada na 18ª edição da Revista Literária ECOS da Palavra, com o poema FLORES, com o poema O PODER DA ROSINHA;
  • 2023 - Selecionada para Antologia literária - Série Verso e Prosa. Vol.7, tema AMIZADE, Editora E-33, com o poema AMIZADE SINCERA;
  • 2023 - Classificada em 8ª posição no Prêmio Castro Alves, na 33ª ed. Concurso de Poesia com temática Espírita, com o poema SOLIDARIEDADE;
  • 2023 - Selecionada para Antologia literária - Série Verso e Prosa. Vol.8, Vozes da Liberdade, tema , Editora E-33, com o poema REVOADA;
  • 2023 - Classificada para a Antologia Desejos profundos - coletânea de textos eróticos , Editora Persona, com o poema AGASALHA-ME;
  • 2023 - Classificada para antologia Roteiros Adaptados 2023 - coletânea de textos baseados em filmes, Editora Persona, com o texto BARBIE, UMA BONECA UTILITÁRIA;
  • 2023 - PRIMEIRO LUGAR no Concurso , edital 003/2023 - Literatura - seleção de projetos inéditos, promovido pela Secretaria Municipal de Cultura de Araçatuba, com o livro infantojuvenil DENGOSO, O MOSQUITINHO ANTI-HERÓI;
  • 2024 - Selecionada para compor a Coletânea Cronistas Contemporâneo, pela Editora Persona, com o texto A CONSTRUÇÃO DE UMA PERSONAGEM;
  • 2024 - Classificada para 19ª edição da Revista Literária Ecos da Palavra, com o poema A PASSARINHA;
  • 2024 - Classificada para a 13ª edição da Revista Mar de Lá, com o poema O TORRADOR DE CAFÉ;
  • 2024 - Selecionada para compor a Coletânea "Um samba no pé, uma caneta na mão", tema carnaval, pela Editora Persona, com o poema DEIXA A VIDA TE LEVAR;
  • 2024 - Selecionada para compor a coletânea "Revisitando o Passado", promovido pelo Projeto Apparere, com a crônica COZINHA DE MEMÓRIA;
  • 2024 - Selecionada para compor a Coletânea de Poetas Brasileiros,2024, Editora Persona, com o poema IMAGEM DE OUTRORA;
  • 2024 - Selecionada para compor a Antologia JOGOS DO AMOR, promovida pela Revista Conexão Literária, com o tema O jogo do amor, poema classificado: TENHO MEDO;
  • 2024- Selecionada para 20ª ed. da Revista Literária Ecos da Palavra, com o tema INFÂNCIA, com o poema DEBAIXO DE UMA LARANJEIRA;

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

O CORTEJO DA MARIA ROSA

 CONTO CLASSIFICADO NO 34º CONCURSO DE CONTOS CIDADE DE ARAÇATUBA, 2022.

O cortejo da Maria Rosa

 Rita de Cássia Zuim Lavoyer

             Aquela imagem, arbitrariamente, saltou dos recônditos de sua memória e pôs-se a ziguezaguear diante dos seus olhos, deixando-a tonta, quase sem sentido como uma tormenta, pensou Margarida. Essa imagem não lhe surge por acaso. Quando vem, apresenta-lhe novos personagens com marcas cada vez mais profundas e dolorosas.   Uma fotografia vista pela lente da sua consciência. “Minha consciência! Tão minha!”. Margarida carregava um imbróglio de sentimentos dentro de si, que não conseguia resolvê-lo.   

             Exausta, não reunia condições para assimilar como chegou ali, naquele barraco. Mas sabia perfeitamente de onde vinha. Ofegante, entrou.    

            Encontrou Maria Rosa estendida no chão. Ajoelhou-se e descansou a sua mão esgarçada sobre ela. Parecia, mas não podia ser considerada velha.  Era moça. Com apenas 32 anos, tão destroçada pela dura vida e pelos sonhos que não se confirmaram.  Estava colorida ainda. O roxo e o vermelho prevaleciam sobre o preto, cada cor com seu respectivo pigmento.  Aquela mãe não entendia de arte, sequer cogitava como combinar as cores em um trabalho artístico, contudo sabia de que forma se procedia para registrá-las em um corpo. Classificou aquele mau resultado estendido no chão como trabalho bem-feito e bem finalizado, que ela não queria ver, mas que lhe saltava aos olhos e se estendia dentro dela, uma cinzenta nódoa que a amargurava.

             Margarida conseguiu enxergar na imagem, que não aceitava chamar de lembrança, aquela filha em um passado recente, jovem de pálpebras caídas, olhos embaçados exibindo vasos avermelhados ramificando no branco dos seus globos oculares.  Olhos tão tensos e secos que, durante a vida, dificultavam-na enxergar mais distante, além da sua realidade. Assim, ela a enxergava. O lenço esfarrapado que trazia amarrado na cabeça escondia as cicatrizes conquistadas nas fugas e nas quedas dos degraus que fizeram parte do processo de construção da sua filha, figura capturada da imagem transgressora que lhe ocorrera e que insistia em lhe perturbar os sentidos. Maria Rosa mostrava um sorriso forçado. Exibia falhas nos dentes amarelados que seguiam para o apodrecimento. Vestia camisa branca estilo baby look, curta, com colarinho duro e cinco botões de massa que cabiam perfeitamente em suas casas. Uma saia simples de cor cinza que lhe caía bem, pois não se dava ao luxo da obesidade. As duas peças formavam nuance interessante com sua pele negra, um conjunto que poucos invejariam. Seus chinelos com correias diferentes calçavam os pés que aprenderam e desaprenderam os caminhos do bem e do mal. As fissuras calcificadas em seus calcanhares denunciavam a precariedade de cuidados básicos.   Acima do tornozelo direito, uma úlcera varicosa produzia água avermelhada, que vazava pelo curativo encardido que tentava escondê-la. Margarida via-a, naquele estado passivo, psicologicamente deformada.   

            Boa parideira. Aos quatorze, Maria Rosa deu à luz sem soltar um grito, e continuou assim.  Margarida continuou vendo sua filha na imagem. Rodeada pelos oito filhos, por dois cachorros  e por um homem “aquele homem” responsável por impedir uma possível ponte entre mãe e filha , de olhar apertado, de cenho franzido e lábios espremidos,  de cabelos sebosos penteados para trás, deixando ver a longitude de sua testa de pele morena, pai de algumas daquelas crianças de olhares lacrimejantes,  descamisadas, barrigudas,  umbigos estufados e com os pés no chão, encostados em um barraco de paredes  meio de tábua, meio de lona que também era usada como telhado, meio de papelão, meio de outdoor  de um político da campanha passada, ironicamente anunciando construções de casas para a população carente: construção fiel de incertezas, de confusões e de fragilidades,  fincada no terreno enlameado, em que mal caberiam dois corpos, mas como as fomes eram abundantes inquilinas, ali, esquálidos humanos se amontoavam perfeitamente. Margarida tentava não imaginar o sumo infeccioso que podia escorrer do abraço “daquele homem” de madeira apodrecida que os vermes haveriam de comer. Margarida paria intervalos entre uma angústia e outra.

            Ela olhou em volta, tudo em silêncio e tão sem cor, apesar da arquitetura psicodélica do barraco. Havia quinquilharias entulhadas. Num espaço separado por um pano pendurado em uma corda, simulando uma cortina, havia uma cama, colchões rasgados, bermudas, camisetas e chinelos esparramados pelo chão forrado por papelão. A claridade que atravessava os vãos das “paredes” encontrava quase nada onde pudesse se chocar e produzir uma sombra sequer. Sobre uma tábua que se equilibrava em um pedaço de cadeira havia um bule, pratos sujos e vazios cobertos de moscas e formigas aguardando quem lhes passasse água. Nenhuma música, nenhum álbum de fotografias. Uma mesa dobrável de bar, coberta por uma toalha de crochê vermelha, amparava uma garrafa pet com flores do campo querendo água para terminarem seu curso com dignidade. Margarida levantou-se, tomou-as, apertando-as entre os dedos. Entendeu uma significante beleza naquela decoração.  Pausou seu pensamento atordoado: “Ela punha flores em uma garrafa. Houve sonho nesta pocilga. Agora, há apenas uma morta rodeava por dois cachorros e eu.”  Margarida coçou os olhos que ardiam. Engoliu em seco uma vez, outra e outra para reprimir as lágrimas, ajudando a descerem os nós entalados em sua garganta. “Ela desejava disto aqui um lar”.

             O passar dos anos daqueles moradores, ali, naquele barraco, havia incrustado no ambiente cheiros de suores ressecados, incorporado a cânfora, urina, aguardente, fumo e querosene.  Aquela mãe interpretou aquele mundo pelo aroma.

              Forçando o pensamento, Margarida decifrou, na imagem arbitrária que preferia chamar de pesadelo, lobisomens crescidinhos. Uns já pegos pela polícia, outros alcançados por balas perdidas. Alguns dos que sobraram continuavam assombrando, diziam.  Os miúdos, quando não estavam na creche, distraiam-se nos semáforos. Havia os cachorros que pareciam fiéis àquela filha, mas sempre rosnavam feio quando viam a mãe dela, e ganiam, amiúde, uma tristeza adestrada pelas circunstâncias, de arrepiar os ossos, os próprios e os alheios.  

           Naquela ocasião em que Margarida e Maria Rosa estavam, apenas os dois seres como confidentes. Rosnavam baixinho, como um choro.   

           Abaixou-se novamente. Com a ponta do seu polegar craquelado pela labuta de limpar a sujeira de muitas famílias, para deixar a brancura do ambiente delas cheirando a sabão para os finais de semana, Margarida friccionava a pele de sua filha, tão afetiva, quase lhe arrancando a cor. Era preto com preto, porque não aprendera outra expressão para “preto”. Negro, afrodescendente, dizia ela, mordendo os lábios, não alterava sua identidade, tampouco diminuía a sua sina e a de sua herdeira. 

  Sobre o roxo, imperceptível como identidade, mas gritante pela maior negritude da pele, e o vermelho não tocou. O que não conseguia tocar, tentava fazê-lo pela inconsciente fé no seu Deus. Num delírio viu em Maria Rosa uma morada quieta, desolada, e vagou lentamente nos corredores que havia dentro dela. Conforme a adentrava, seu fígado fisgava sensações agudas que lhe secavam a boca.  Pegou-se distraída, sendo observada pelos cachorros.

Fixou o pensamento mais profundamente na imagem que a incitava para ler sua subjacência, saber mais sobre aquele mundo e as práticas que trouxeram a sua descendente, tão expropriada, àquela situação. Massageou seu pescoço, precisava dissolver os nós de sentimentos que insistiam brotar em sua garganta, botá-los goela abaixo. Com a boca seca, não tinha força para mover as engrenagens que a ajudassem engolir qualquer coisa. 

           Queria reunir elementos e, valendo-se de suas experiências, formular o próprio discurso, dizê-lo em voz alta a si mesma, repetidas vezes, até compreender os percursos que construíram tanta miséria, registrada naquela realidade morta pintada de preto, de roxo e de vermelho, sobre a qual sua mão voltou a descansar.  E para a sua memória, a imagem que a atormentava lhe fora poderosa aliada.    

            Fechou os olhos e deixou os detalhes remontarem sua consciência. Aos poucos, a relação entre a imagem e ela ia se estabelecendo. Aterrorizou-se pensativa.   

           No discurso não verbalizado que ia construindo não havia ações, porém ouviu dele acusações sobre sua ausência e sua omissão na formação da filha. Foram esses elementos que contribuíram para que a vitimada passasse pelas desgraças pelas quais passou?    

Por instantes, não entendeu as razões de a imagem lhe dizer tantas coisas, já que a arrastava escondida e muda há anos. Embora os códigos fossem brutais, a interação entre a emissora e a receptora foi mantida e a mensagem compreendida.  Por que somente agora a interpretou? Faltou-lhe coragem para traduzir os coloridos que a filha trazia desde quando se juntou a tantos homens, e “àquele”, que lhe jurou um barraco melhor?  Ou somente ela tinha medo e fugia da situação em que sua filha sempre se envolvia?  Os ganidos dos cachorros eram implicância com sua pessoa?                 
            
No silêncio que havia ali, apenas entre mãe, filha e os animais, capturando aquela imagem intransigente que lhe perpassava a lembrança, sua cria lhe pedia socorro, que foi ouvido apenas agora, tardiamente. Escutou a própria voz lhe dizendo, repetidas vezes, que a rotina de hematomas e afins fora pincelada pela falta de recursos, de oportunidades, de estudo, de emprego, de dignidade, de família, de referência, de estrutura, de amigos, de amor, de pertencimento e pela sobra de medo, de fome, de necessidades e de sua herança genética. Riu, quase uma gargalhada, por saber decorado os termos com os quais classificavam as infelicidades dos pobres como ela e do eufemismo que um dia aprendeu, sabe-se lá onde: “negro”, preto não; e da emblemática “Vidas Negras Importam”, que impregnou em sua memória.

            Aprofundou seu olhar nos olhos dos dois fiéis tristemente postados ao lado de sua proprietária e, naquele momento, entendeu a simbiose que havia entre eles, e a comunicação que os cachorros tentavam manter, ganindo, quando ela chegava. Eram os únicos que expressavam verdadeiramente carinho e atenção por aquela criatura morta.  

            “Pobre menina! A única que pari, porque no meu corpo não permiti que nenhum outro homem tocasse. Fui surrada por essa raça somente uma vez, com força suficiente para excluí-lo sem deixar dele nem o nome para lembranças. Você, filha, quantas vezes foi tocada com os mais variados instrumentos da violência? Não consigo mensurá-la nas suas cicatrizes e nos coloridos que insistem em se destacar na sua pele preta, tão escura quanto a nossa história.”    

            Deslizou sua mão até a altura do coração da filha na intenção de esquecê-la ali. Sentiu umas batidas. Atormentou-se, aumentando a pressão no seu peito, há muito, sofrido.  Confundiu sua pulsação com a possibilidade de o órgão da falecida, tantas vezes violentado, voltar a bater, roubando dela a única oportunidade de liberdade que a vida lhe oferecera. Foi o medo dessa possibilidade que quase a fez chorar. Deixou-se vencer por um polegar de razão. Sabia que aquele corpo ela não poderia ocultar.

            Arrastou-se e apoiando-se em seus joelhos desconjuntados, ergueu-se, encostou sua têmpora na “parede” de outdoor e deixou-se atordoar por todas as leituras interpretadas naquela imagem. Viu o chão correr sob seus olhos e, intempestiva, arrastou daquele território de memória o corpo da filha. Sem usar muita força, trouxe abaixo toda a vulnerabilidade daquele barraco colorido, igualando-o ao terreno enlameado sobre o qual fora fincado. Os nós na garganta eram grandes para lhe permitirem gritar, pedir ajuda. Forçando a passagem de ar em suas narinas, no desespero de poder respirar e pôr fim àquela história, trouxe junto o cheiro de especiarias de origem africana e de feijão temperado no alho que se espalhava naquele lugar, e sua boca encheu-se d’água.  Margarida conseguiu engolir direito como há tempo não fazia. Girou em torno de si e sentiu que acima desses cheiros pairava o aroma de flores do campo e não resistiu a esse encanto.

                 De repente, olhos e ouvidos daquela vizinhança alheia aos barracos daquela morada se abriram.  A imagem daqueles entulhos e do corpo de Maria Rosa foi ganhando olhares curiosos. Fotos foram tiradas por celulares de pessoas de todas as cores, indiferentes à cena. O vozerio daquela gente soou-lhe melodioso. Deixou-se seduzir pelo saudosismo e encheu-se de expectativas.

            Viu que se achegavam os lobisomens crescidinhos que restaram.   Lembrou-se de que havia, ainda, os miúdos dos semáforos.  Com quem ficariam seus netos?  Olhou suas mãos e as sentia mais cansadas ainda.   

Lembrou-se também “daquele homem” e do quanto aquela madeira podre era pesada. Um bicho. Exterminou nele os genocidas de sua raça. Expurgou ali o imbróglio de sentimentos que até então não conseguia resolver.  Enfim, fez com cautela, de forma a não deixar dele nem o nome para lembrança. Reuniu coragem e condições de se lembrar de onde vinha quando chegou ao barraco. E seu peito tornou-se opresso.  “Por que não cuidei dela muito antes?”  Contrita questionava-se sobre o mérito de sua ação.

Caminhou em direção aos netos que chegavam. Abraçando-os, explicou-lhes o ocorrido.  Por eles, decidiu, reuniria forças para tirar-lhes o estigma de lobisomem que as circunstâncias lhes impingiram. Levaria-os para o seu barraco. Ela os cativaria. Sim! Pediria adiantamento às patroas. Começar pelo estômago é estratégia apreendida para uni-los a ela.  Tornara-se seu plano de vida.  Compraria um vaso, colocaria flores e o deixaria sobre a mesa, onde comeriam reunidos feijão temperado com alho entremeado com comidas africanas que um dia aprendera a fazer. Banharia e vestiria dignamente os netos. Entendia-os, agora, como a herança que a filha lhe deixou.

Ligações foram feitas e chegaram ao local elementos que colocariam ordem naquele evento, levando aquela calada narrativa ao seu desfecho. Enquanto peritos fotografavam a cena do crime, aos que a questionaram, Margarida respondeu apenas que quando chegou a encontrou morta no chão do barraco. Passou as características “daquele homem”. Não careciam muitas investigações para confirmar que o sangue ressecado no corpo da vítima e vestígios encontrados sob os restos do barraco comprovavam a veracidade da declarante. O silêncio cúmplice da branquitude que investigava o caso sugeria um possível processo arquivado.     

Ela, que estava seca, humanizou-se.  As lágrimas que evitara caíram durante o episódio. Qual um caleidoscópio, coloriram-lhe os olhos e, com o coração batucando em seu peito, viu se dissolvendo as partículas daquela filha, permitindo desaparecer sob aquele céu a culpa que ela própria se atribuía por sua negligência com aquela família. Deixou-a ir. Livrara-se daquela escravidão.   O veículo de sirene ligada imprimia velocidade. Somente as duas fiéis criaturas, correndo e latindo, seguiram o cortejo da Maria Rosa rumo ao IML. Margarida espremeu os olhos para enxergar, até que o carro fugiu do seu alcance.   Sentiu seu peito comprimido abrir-se para agasalhar novo ar, que ela precisava e merecia. Sua herdeira estava livre!  Não se preocupou com os cachorros. Sabia que eles a encontrariam, quando necessário.

Sua primeira ação para aquele inventário seria preparar “aqueles bens” para o sepultamento da mãe deles, tão logo o corpo fosse liberado. Respirou naquele instante um amor de mãe e de avó, que durou pouco.  

Por destruir a cena do crime, foi levada à delegacia para depor. Pediu para que seus netos a acompanhassem. Queria-os junto dela, conservando vivas suas esperanças de construir novas imagens no seu coração e na memória deles. Afinal, as vidas dos seus netos, que agora lhe pertencem, importam.     

 

 

 

 

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