Poema Classificado pela 3º vez em concursos literários nacional
Concurso Memórias de Afeto promovido pela Lítero Editorial .
O torrador de café
Os alimentos que me eram servidos na infância registram minha
história, meu
tempo, meu lugar, minha família, meus grupos,
meu credo: minha
procedência, enredo da minha existência.
Estimularam meus
sentidos e, por eles saciada, embora de pouca idade,
já conhecia meus
sentimentos, reconhecia minhas necessidades.
Os pratos, por
minhas percepções reverenciados, trouxeram-me viva
até aqui, prenhe
de saudade dos temperos da minha mãe: Mulher
que fez da concha
das mãos, algumas vezes, meu prato e meu talher.
Mas as misturas de
sensações, as sinestésicas, essas que me fazem
parir delícias
manhãs após manhãs, quem produz são as lembranças
do torrador de
café que minha avó ajustava sobre um fogão de barro
feito por ela no
fundo do nosso terreiro.
Ela chamuscava um
galho e outro e, com o encanto dos seus assopros,
sua engenharia
transformava-se em fogareiro.
Ela me permitia
girar aquele aparelho! Verdadeiro instrumento
de apreender
sentidos. Eu o girava e, o contínuo movimento de rotação
somava-se ao meu presente, colocando no eixo meu futuro e meu
passado.
Extasiava-me
ouvindo o bailado dos grãos do café
sapateando nas
paredes daquele salão quentinho.
Todas as manhãs
aquele mormaço me beija a face, aquela fumaça
me aquece a alma,
aquele cheiro me revolve o útero e eu gozo,
nutrindo meus
olhos, vendo aquele fluido de prazer atravessar o coador.
Um voyeurismo que
me enche a boca d’agua. E eu o tomo.
Passado na hora.
Presente dos deuses para o tempo que se segue.
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