Exausta, ela desceu as escadarias externas da construção para ganhar os trilhos que passavam sob ela. Tinha que ser rápida, porém cautelosa, pois os degraus deixavam-se esfarelar pelo tempo. Quando chegou lá em baixo, as águas banhavam os seus tornozelos e o calor foi abandonando o seu corpo. Apertava aquele futuro bilhete em uma de suas mãos. Deixá-lo cair colocaria tudo a perder.
Conseguiu, a muito custo, aquele bilhete para chegar à 5ª estação. Com os seus pés sob a água, ela corria sobre os trilhos submersos. Tinha que chegar na 1ª estação, o ponto de partida. A espera pelo trem a fez conseguir o seu feito: esfarelar o carvão a ponto de pó. Chegou.
Na subida, depositou em uma ampulheta o pó conquistado.
O maquinista sorriu-lhe. _ Parabéns, dessa vez você conseguiu! - Fechou a ampulheta e posicionou-a para contagem do tempo. Somente ela, um minúsculo corpo frágil naquele vagão.
Na 2ª houve parada e adentrou alguém usando máscara, atravessando as estruturas sem que a porta lhe fosse aberta. Sentou-se na frente da menina. Ele tentava fixar o seu corpo no assento. Ela o observava serena tentando decifrar aquele corpo transparente.
Outra parada e nesta o bilhete ainda não estava totalmente esfarelado a ponto de ser aceito. O trem partiu, deixando com as mãos estendidas o velho que pretendia seguir. A menina pôde ver aquele do lado de fora retornando para onde, de fato, deveria ter começado.
Na 4ª, mais uma parada. Ela observava ansiosa a sua ampulheta derramando o pó daquele carvão conseguido com tanto suor, temendo que ela caísse pondo todo o seu roteiro a perder, desejando chegar logo ao seu destino, a 5ª estação.
Outra passageira entrou, mas pela porta de saída sem depositar o seu pó. Para ela também não havia ampulheta. O maquinista acionou o som e o trem seguiu com a porta detrás aberta. Eram três passageiros em um único vagão. A menina passeou o seu olhar na valise cor de terra que aquela passageira carregava. A velocidade do trem trazia para dentro do vagão as águas do lado de fora.
_ Senhora, está molhando a sua valise, talvez devesse erguê-la. Senhor, Senhor! Esqueceu-se de fechar a porta de trás!
Ela gritava, mas sua voz parecia muda dentro daquele vagão tão vazio de três componentes.
Aquela de olhar austero, cabelos curtos, repartido do lado, mas de voz suave, doce e concreta perguntou-lhe:
_ Onde pretendes chegar?
_ Na 5ª estação, senhora. Demorei muito para conseguir o meu bilhete. Preciso chegar lá antes que o pó da minha ampulheta termine de descer. Queria mesmo poder segurá-la nas minhas mãos, para ter a certeza de que o meu tempo não irá se perder.
_ Ela está segura ali, está bem fixada. Não me parecer que irá cair.
_ Esforcei-me para poder matar a minha saudade... Há muito ela me espera, mas eu não conseguia conquistar o bilhete, porque eu era muito pequena e as tarefas que me eram atribuídas eram pesadas demais e eu não conseguia realizá-las completamente para ganhar a minha liberdade e chegar até lá, o nosso ponto final. Uma vez eu consegui realizar uma tarefa e ganhei um carvão bem pequeno. Corri até a 1ª, mas o pó não era suficiente para me levar até a 5ª. Por isso, eu retornei. Agora eu consegui. Vou poder abraçá-la. Tenho certeza de que ela me espera e quer me abraçar também. Quando partiu não pode levar-me.
_ Está faltando pouco e nós não teremos mais nenhuma parada.
_ No meio do caminho pode haver barreiras. – Interferiu aquele de máscara.
_ O senhor pretende descer na metade do caminho? – Perguntou-lhe a menina.
Não houve resposta. A água já tomava conta de quase todo o vagão e o trem foi diminuindo a sua velocidade.
Os olhos da menina fixaram-se na valise da passageira que deixava escorrer a sua cor de terra, barreando a água que quase lhes encobria os corpos.
O trem parou antes do previsto. A porta da frente se abriu. A passageira desceu batendo a sua mão na ampulheta da menina, derrubando-a. Aquele marcador do tempo foi levado pelo fluxo da água agitada que entrava pela porta traseira, desaparecendo dentro de um redemoinho.
A passageira desapareceu na água, levando o olhar daquela menina dentro da sua valise.
O maquinista fechou as portas e acionou o som. O mascarado seguiu sozinho no vagão.
Rita Lavoyer é membro da Cia dos blogueiros.
5 comentários:
Abstrato e transcendental. Uma longa viagem que Rita fez, parecendo com o 'Expresso 2222', do Gil.
O texto é uma sucessão de inesperados sonhos.
Beijos,
Jorge
sonhos que me trouxeram uma triste realidade: minha areia está chegando ao fim. O tempo vai acabar virando a minha ampulheta (eita nome desgraçado)
Obs. Rita, passei para o navegador google chromme e acho que agora vai dar certo...God, help-me
Eita, Ele helpimiou-me
Pesadelo; Viajar só no trem fantasma; Algo, preso na consciência, não foi resolvido. O mascarado cobra uma dívida... A água leva e lava tudo.
(NB-Recebi um e-mail no hotmail com seu endereço de remetente, mas não abri. Imaginei que fosse vírus. Confirma no uol.com.br).
Há o tempo... Esse nosso algoz! Muito bom o post Rita, que tal uma continuação onde a menina começa a entender que tudo é finito, e que nem o tempo nos pertence?
Grande Abraço!
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