_ Galão! Galão! Já
passou pelo galinheiro hoje?
_ Cruz- credo, Galim!
Passo lá só pra fazer, com sacrifício, o
meu serviço.
_ Mas, Galão, as
Galinhas estão com brotoejas de tanto falarem da Raposa que foi obrigada a comer um monte de
Uvas minguadas.
_ Uai, Galim! Onde foi
que isso aconteceu e quem foi que a obrigou a tamanha maldade?
_ Galão, dizem que foi
uma tal de Lavoyer que praticou a crueldade,
saiu até no Jornal Folha da Região de hoje, na coluna Tantas Palavras, por isso a galinhada está tomada de
agradecimento pelo espírito de vingança.
_ Hum... Essa Lavoyer é
que espécie de bicho?
_ Sei não, Galão! Deve
ser essas espécies mutantes que aparecem com estilos diferentes só pra contrariar as ordens das
coisas. No meio de tanto cacarejo só consegui entender que trata-se de um bicho
fabulista.
_ Hum... Galim,
pensando bem, se ela fez a Raposa se
entupir de Uvas, deve ser uma espécie boa de bicho, pior seria se essa
fabulista tivesse feito a Raposa comer
nós dois. Você já pensou, Galim, duas potências como nós, maiores reprodutores
de Pintos desse galinheiro sendo comidos por uma Raposa? Imagine o que não
sairia sobre nós dois dos bicos daquelas Galinhas!?
_ Galão, não é que você
tem razão!? Essa tal de Lavoyer deve ser uma cangaceira em defesa dos Galos,
contra a Raposa. Deve ser coisa boa mesmo! Não será capaz de fazer nenhuma
sacanagem com nós dois!
_ Nenhuma, Galim! Coisa
boa toda vida esta fabulista. Não vai
fazer mal pros Galos de forma alguma.
Deixe ela lá, preocupada com a Raposa, pra nós dois ficarmos aqui de
prosa. Prosear com você, Galim, me desestressa!
_ Hum... Galão, não
é hora de ir pro galinheiro executar o
seu trabalho?
_ Eita, que diacho, Galim! Todos os dias você tem que me lembrar esse martírio? Galim,
vamos pescar?
_ Que é isso? Dois
Galos que se julgam potentes fugindo dos seus compromissos? Vão pescar?
Precisam de minhocas?
_ Hei, quem é você? É a
criatura mutante sobre quem o Galim falou, que obrigou a Raposa a se entupir
de Uvas?
_ Aff, Galo! Deixa de
ser burro! Logo se vê que nunca saiu deste
terreiro e não conhece espécies além da tua. Sou uma Cobra-cega. Galinhas que
vivem soltas em terreiros adoram comer cobras.
_ Nossas Galinhas não
vivem soltas e não comem porcarias. Aliás, aqui somos tratados à ração
desenvolvida em laboratório: refeição de grã-fino!
_ Vejo que não sabem
nada sobre refeições. São uns franguinhos de granja e querem cantar de galo,
esbanjando potência? Rarararará!
_ Como vê, mentirosa?
Não disse que é uma Cobra-cega?
_ Pois é, sou cega,
como pensa, mas vejo além da visão de vocês. E ouço tão bem quanto vejo.
Debocharam da Raposa, gostam de ver outras espécies sendo zoadas?
_ Rarararará! Aquela Raposa merece comer coisas bem piores
do que Uvas minguadas. Comigo e com o
meu amigo Galim ninguém faz sacanagem
não! Dentro deste terreiro somos respeitados pela competência com que
executamos o nosso ofício. Está vendo aqueles galos vizinhos, depois da cerca?
Morrem de inveja de nós por causa do nosso status. Uai, como é que você vai ver
se você é cega, né? Rarararará!
_ Hum... sei... vocês,
Galos, acham que são invejados? Sabe Galão, eu sou uma Cobra-cega, amiga da
Raposa e eu a convidei para passear por aqui, ensinei-lhe o caminho. Rararará!
_ Oh, có có có deco! misericórdia! Oh, São Feliciano Protetor dos galos
machos, proteja o meu amigo Galim e a mim também! Có có có deco!
_ Rararará! Eu não sou
cega e vejo que está arrancando as penas, está ficando depenado, estressou Galo potente!? Olhe lá na cerca, os
galos da vizinhança estão rindo de você.
Rararará! Vão pescar?
_ Amigo Galim, bica
ela, come ela? Vai, amigo Galim, estou lhe ordenando!
_ Mas, Galão, eu nunca
comi isso. Será que é indigesto?
_ Não dá tempo de
saber, bica logo essa cobra, engole isso antes que a Raposa apareça por aqui e
nos encontre conversando com essa espécie! Corre, Galim, ela está fugindo. Seja
rápido!
_ Ah, Galão, não vou
fazer isso não! Pode fazer mal pro meu estômago.
_ Então faço eu!
_ Não podem fazer isso,
seus Galos frangotes. Não conseguem me pegar, esqueceram-se de que eu sou uma
cobra? Eu não tenho ombros, escondo-me em qualquer buraco.
Ploft! Num salto, o Galão escorregou e a Cobra-cega engalfinhou-se entre as penas
do seu rabo, picando-lhe onde conseguia. O Galo estrebuchava, precisando do socorro do amigo
Galim.
Na ânsia de salvar o
amigo, Galim subiu-lhe nas costas apoiando-se nas asas que Galão trazia abertas, bicando-lhe o pescoço, a cabeça, o dorso para livrar-se
da Cobra, tendo como plateia galos da
vizinhança e todas as habitantes do galinheiro que ajudaram a derrotar a Cobra-cega, que foi
dividida entre todas.
_ Rararará - riam as Galinhas! - No nosso galinheiro vocês não aparecem mais.
Essa notícia vai aparecer nos blogs, no facebook e nós, Galinhas, não queremos
ser desrespeitadas por conhecê-los! Somos Galinhas infelizes e frustradas por
tê-los suportados até hoje. Chega de sacrifício! Não os queremos mais! Vê se tomam um rabo-de-galo toda manhã pra
engrossarem os seus cantos. “Có có có deco” é cacarejo de galinha!
Juntaram-se todas e
surraram os Galos perante os vizinhos que os filmavam.
A Raposa, que assistia
de longe, virou as costas dizendo:
_ Bem, eu vim mesmo para
comer os Galos, mas pularam, depenados, pro outro lado da cerca... Vou embora,
continuar sonhando com as Uvas, porque essas Galinhas são duronas, não devem
dar boa canja.
Autoria – Rita Lavoyer
5 comentários:
Fedro e sua fábula, transformada pela Rita Lavoyer.
A essência foi respeitada, Rita mudou a antiga roupagem da história, usando um lado humorístico.
Bem, sucedido, é bom dizer.
Uma boa fábula Ritica. Nos tempos atuais, é muita ousadia os galos estufarem os peitos. Gostei da raposa; inteligente, oportunista mas com um leve toque de humanidade.
Parabens Rita. Gostei.
O mais legal foi o uso da metalinguagem, do texto falando de um outro texto, ou, no caso, de fábula falando de outra fábula. Isso fora a criatividade toda esbanjada na história. Muito bom, Rita!
Eitcha, Rita! Sobra humor, aventura e muita, mas muita realidade nessa sua reescrita da fábula. Hoje, grande verdade estampada aos olhos de cobras e lagartos... inseridos no século XXI...
Bjs. Célia.
Amei. Rita!Super bju
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