
Eu fui muitas coisas, dentre elas quase nada. Até que continuo com muitos ‘nadas’, mas o ‘quase’ é o que faz a diferença absoluta, quando se sabe o que tirar do vago, do vão ou do próprio nada.
Fui a morta que contaminou a terra com o meu corpo quando desisti de muitas coisas por desânimo.
Já tive esperança e pouca fé. Fui religiosa que procurava a salvação no Templo e não no Cristo. Por procurá-Lo de forma errada, Ele decidiu vir ao meu encontro para gritar à minha alma que sempre estará comigo.
“Desânimo” era o nome que eu dava aos motivos das minhas desistências. Hoje eu o nomeio ‘coragem’ de ter desistido das coisas que eram chatas, que não me agradavam ou que me faziam tão mal.
Andei na chuva por falta de abrigo, fui acolhida porque tenho amigos. Já almocei sem ter vontade, dormi com fome sonhando com a janta; comi com os olhos e matei com a boca. Já menti para proteger alguns, fui sincera em ocasião que jamais deveria ter sido.
Fui a saudade do peito da minha mãe. Muitas vezes, as lágrimas dos meus irmãos quando brigávamos enquanto crianças, mas também fui o orgulho do meu avô. E sou a criança que deixava cicatrizes nos joelhos, impedindo-me hoje usar saias acima deles.
Sou esposa e mãe com coragem de ser apenas isso, quando pretendo ser apenas isso, sem que ninguém me dê ordens de ocupação para cumprir protocolo, mas esqueço-me quando assumo compromissos e preciso cumpri-los, respeitando a ordem e os ideais hierárquicos a que me submeto no exercício do meu dever.
Bati nos filhos, xinguei o marido e chutei o cachorro. Quebrei pratos na parede pela necessidade de me sentir louca.
Trai alguns princípios fracos e os recuperei fortalecidos para não deixar morrer um desejo que só uma mulher consegue parir. Tive vontade de vestir fantasias exuberantes, hoje necessito despir-me de mim, quando tento me encontrar ou me vejo bagunçada dentro do sangue que corre nesta minha carne tão viva.
Esqueço-me de algumas coisas de propósito, mas relembro outras só de pirraça.
Às vezes revejo meus pecados e peço perdão. Ora perdoada; outras, não! Mas preciso continuar, com os pecados ou sem eles. Não chicoteio mais o meu instinto enjaulado para vê-lo domado.
Sou mulher e digo o que sou, (ainda que me esquecendo de muitas coisas importantes, boas e más) revelando os vestígio para que ninguém necessite me historiar. Tento fazer minha própria história com o presente, evitando ser reconstrução que remonte o passado.
Sou política de verso, reverso e de troça ao sistema sem me eximir das minhas obrigações de cidadã. Elogio quando vejo mérito no trabalho e no profissional que o executou. Às vezes excessiva.
Não leio e não procuro os clássicos somente por sê-los, contudo debruço-me sobre os códigos que compõem a histórias do mundo que me cerca para que me alfabetizem.
Não lhes tiro o mérito, mas não babo sobre personagens famosos e distantes do meu mundo. Apenas absorvo, para compreender ou usufruir, suas idéias que, com coragem, se propuseram divulgar.
Não pretendo conquistar ninguém com as minhas virtudes, mas mostras meus defeitos, porque faço deles a minha cartilha.
Nesta passagem consegui muitas coisas, só não ‘deixar de amar’.
Há um terceiro ser em mim, entre o meu corpo e a minha alma, unindo-me às minhas identificações. Uma força inesgotável que tem cheiro, gosto e temperatura controlados pela minha índole.
Aprendi que alegria é um sentimento; felicidade, outro e tristeza o nosso antídoto contra ilusões. Naquela primeira, eu fico extasiada por um momento. Na segunda eu vago, porque sei que ela é um alicerce flutuante sobre o qual deposito os meus planos. Todos a queremos, e no afã de alcançá-la eu alço vôo ancorada no que sou e, na terceira me curo.
Deus e o Seu Filho são o que acredito absolutos, mas o meu relativismo é subjetivo.
Não sonho minha existência abundante, apenas quero viver.
Afinal, eu não sou qualquer uma. Eu sou Rita Lavoyer.
6 comentários:
om todo o respeito, mia senhôra, como pronunciava Gil Vicente, deixarias Yung,Lacan e Freud doidinhos da silva.Nem com hipnóse, regressão resolveriam o seu problema...pelamordedeus!!!!!
Nem poderia ser qualquer uma ... é Rita de Cássia Lavoyer, minha escritora preferida, difícil de entender, mas minha escritora preferida!
QUE DELICIA QUE É IR E VIR COM SUAS PALAVRAS...
ADORO COMO PÕE AS DUALIDADES...
PASSEIO COM SEUS PENSAMENTOS...
VIAJO NAS SUAS IMAGENS.
É MUITO BOM VER O AMOR PELO SEU TEXTO.
PARABÉNS
Ah! que legal...não sabia que a sábia leva o nome Cássia em seu nome: Rita de Cássia Lavoyer...muita pompa e circunstância , bem pertinentes à imensa gentileza, graça educação e humildade da madam...c'est vrai?
PODEROSA ! Muito bom seu blog e trabalho voltarei se for convidado!
Uau, to bem feliz de ter lido alguns textos seus, feliz mesmo, é cheio de coisas reais, a poesia é real.
Muito bom, passarei sempre por aqui.
Abraços.
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